Em busca da cidade perdida.


Penteando os cabelos brancos, os poucos que lhe restavam, seu Joaquim disse ao neto Zé Pedro de oito anos:
-Hoje eu vou te levar pra conhecer a nossa história, a história de nossa cidade!
O neto gostava quando seu avô falava em histórias. No reino de encanto de sua infância, quando o velho Joaquim falava assim era como entrar em meio as páginas de um livro ou se perder num roteiro de um filme “Hollywoodiano”, desses que a nobre “Sessão da tarde” nos coloca a sonhar.
Zé Pedro pôs seu boné, conferiu a carga da nova máquina digital, algumas balas no bolso e segurou forte as mãos do avô como quem segura o leme de um navio.
-Vamos depressa vovô...
As pernas daquele senhor de 75 anos já não podiam mais.
Logo no início, avistando as duas torres da Basilica Velha, seu Joaquim demonstrou saudade. A cidade mudara tanto. Mas os olhos enevoados ainda sabiam o caminho certo pra chegar ao museu.
Antigamente, era preciso subir as escadarias da torre da Basilica Nova. Ali, num empenho glamoroso, uma historiadora chamada Conceição Borges conseguiu juntar relíquias de várias épocas, inclusive artefatos indígenas num sitio arqueológico encontrado quando foram construir a rodoviária de Aparecida. O Museu Nossa Senhora Aparecida foi uma grande fonte de pesquisa no auge de sua época que desapareceu com o tempo. Dizem que quando a historiadora veio a falecer, muito da história que ela juntou foi parar no lixo. Coisas de um povo sem memória.
Em 2008, um novo museu no centro da cidade, mais precisamente no Colégio Chagas Pereira, na Praça de São Benedito, veio engrandecer a história aparecidense. Ali, com doações feitas por várias pessoas que amam a cidade independente de partido, raça ou religião, ergueu-se o Museu Professor José Luiz Pasin. Um marco na história.
Antes disso, era preciso passar em frente ao altar de São Benedito e pedir suas bênçãos.
Zé Pedro não perdia uma pose. O avô coordenava seus ângulos e dava as ordens para ele “clicar” os momentos imperdíveis daquele dia.
Do outro lado da rua, impoluto, abrigando uma arquitetura deslumbrante, o Grupo Chagas Pereira, que na época da revolução, serviu de hospital para acomodar os feridos daquele embate de 1932, abrigava com todas as honras agora o museu municipal.
Da calçada, seu Joaquim viu as portas fechadas. Era um domingo e pelo que ele sabia, o museu José Luiz Pasin só permanecia fechado às terças-feiras.
Olhou para todos os lados e não encontrou ninguém que pudesse dizer o que estava acontecendo.
Zé Pedro, em silêncio, apenas olhava seu avô numa certa aflição. Inocente, acabou por perguntar a seu avô:
-Vovô, onde foi parar nossa história?
-Ainda não sei direito meu filho. Ainda não sei...
Já na praça, se postou ao lado de uma rodinha tradicional que sempre estava por ali pra ver se encontrava alguma resposta. Ninguém comentava sobre o fato do museu estar fechado naquele domingo, visto que, no livro de presença, muitos romeiros tinham assinado seus nomes, o que levantava a tese de que o museu era muito bem frequentado também pelos turistas de Nossa Senhora Aparecida.
Foi um desses personagens bem populares da praça quem acabou tirando a dúvida de Joaquim quando disse:
-Ninguém sabe até agora pra onde foi remanejado o museu do Chagas Pereira. Não houve sequer uma nota em nenhum jornal daqui. E olha que são três ou quatro que aqui circulam. Nem um cartaz informando o povo para onde foi. Na verdade, eles querem que o povo se dane. Acho que só pode ser coisa da “politicagem”. Logo, logo inauguram ele em algum outro canto por aí e roubam o “filho” do outro prefeito que o “pariu”...
Joaquim ainda iria procurar pelo museu. Mas não naquela manhã. Sua pernas pediam um descanso imposto pela idade.
Na banca de jornal, ele acabou comprando um DVD que tinha a trilogia dos filmes do “Indiana Jones”.
Era assim que ele iria cabar com as milhões de perguntas que somente uma criança consegue fazer e que muitos adultos não sabem responder.
Era exatamente onde a ficção se tornava mais forte que a realidade, tal qual a política pequena diante da imensa história...

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