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Mostrando postagens de abril, 2011

Eu vi um santo.

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Era 4 de julho de 1980. Naquele dia meus pais saíram bem cedo de casa. Credenciados, eles ficariam num lugar especifico para assistir a missa celebrada pelo Papa. Papai conseguiu essas credenciais por trabalhar na Editora Santuário onde era repórter fotográfico do Jornal Santuário. Eu, criança, continuei dormindo e sonhando com aquele grande dia onde nossa cidade iria receber o “João de Deus” que era cantado por todo povo. Acordei radiante e ao mesmo tempo meio entristecido por não encontrá-los mais em casa. Eu teria que ficar sob os cuidados de uma vizinha naquele dia histórico. Na hora combinada saímos rumo à Avenida Getúlio Vargas e paramos bem em frente à Rádio Aparecida. O povo se apertava na calçada bem atrás de um batalhão de soldados, que de mãos dadas, formavam um cordão. Pequeno, eu fiquei entre eles com a visão bem privilegiada diante da avenida. Bandeirolas eram agitadas. O povo unia a fé ao instante elevando ainda mais a grandeza daquela manhã. Ele vinha “em missão de paz”

Aos olhos do Santo preto. (Republicando)

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Ninguém tinha ouvidos para escutar seu discurso. Mas algo, assim como magia, aconteceu. Sentiu de repente um teor magnífico no ar. Era como se o Santo Negro lhe sorrisse... Luzes-cores, em meio a sons, regiam o momento. Flashes nos mais variados sentidos se confundiam com palmas. Lágrimas distintas tornaram-se brilhos. Cintilantes sentimentos guardados na profundidade peito e na arquitetura da alma. Profanos entusiasmos em silêncio postaram-se. Mas ele sabia que o seu dia, fruto de uma noite impossível, ia estragar o dia de muitos. Era sempre assim. Caminhou lentamente e pareceu um pouco mais absoluto em face de tanta riqueza alheia depositada no lixo. Isso restaurava alguma coisa nele. Afastava a fome e fazia entender que nem todos se calam por vontade própria. As palavras é que às vezes precisam brigar por um espaço com o silêncio que é imposto e perde a luta muitas vezes. Seu nome e sua cara estavam expostos. Somente o que exigiram dele coordenava a impressão que seu nome ainda traz

Estava escrito.

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Em meio a uma tarde de calor, eis que chega a minhas mãos um envelope timbrado da Câmara Municipal de Aparecida cujo conteúdo divido com vocês, meus leitores, agora. Assim seguiu o oficio com cópia em anexo do requerimento: Câmara Municipal de Aparecida Aparecida, 11 de março de 2011 Oficio nº 110/2011 Prezado senhor, Cumpre-nos o grato dever de encaminhar a Vossa Senhoria o Requerimento nº 060/2011 de autoria do Vereador Waldemir José Pedroso deliberado na Sessão Ordinária realizada no dia 10 de março pp. para seu conhecimento. Sendo o que se apresenta para o momento, reiteramos os protestos de apreço e consideração. Maria Aparecida Castro Presidente Câmara Municipal de Aparecida Requerimento nº 060/2011 Requer votos de parabéns e reconhecimento ao Jornalista Lúcio Mauro Dias que especific

A bola.

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Era um belo espetáculo. Parecia que alguns, na condição de expectadores, queriam participar. A gente não percebia que aquilo propunha uma integração de toda rua. Transeuntes, donas de casa reclamando do barulho, pais preocupados com a nossa roupa suja. Nosso mero desprezo com o mundo em volta, inconsciente, tinha era mesmo o intuito de sensibilizar todos dali sobre a grande importância do nosso jogo e assim talvez reconhecer aquela “gritaria e alvoroço” como fonte de autoconhecimento. Além de atividade física, lúdico, nosso futebol de todas as tardes era algo de grande prazer pra molecada. E a gente sequer imaginava que aquele distante e inocente cotidiano estava prestes a nos fadar à hombridade. A gente ainda não teclava, não pirava nem bebia. Nem baseava a nossa conduta em fatos irreais. A escalada solitária do muro do cemitério velho despertava a coragem de quem por ventura chutava a bola lá dentro. A solidariedade neste momento difícil fazia de alguns verdadeiros heróis diante daqu

Obra do acaso

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Ele nunca foi bom aluno. Tinha dificuldade com números. Na gramática, nada de excepcional. Charles gostava mesmo era de desenhar. Filho de mãe lavadeira, Charles ficou órfão de pai muito novo. Tempo suficiente para se apartar da escola e começar a trabalhar ajudando nas despesas de casa. Mas seu grande sonho um dia era cursar uma faculdade de desenho. Ser um artista plástico renomado e conhecido mundialmente, com suas telas e obras carregadas pelo mundo todo como verdadeiros tesouros. Como servente, começou a ajudar um tio que era pedreiro. O tio de Charles bem que tentava, mas ele nunca se interessou em aprender as noções básicas daquela profissão que poderia lhe assegurar um futuro melhor. Ele queria mesmo era saber sobre Arte Nouveau, Rodin, Dalí. Nada corria mais em seus pensamentos como a arte. Na obra em que trabalhava, Charles vivera uma semana não tão produtiva. Faltou três dias seguidos e chegou atrasado em outros dois. Isso sem contar suas escapadas durante o expediente e seu

O velho e o mar.

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Marçal era aposentado da marinha. Sozinho, sua única companhia era um cão policial, um tanto moribundo como ele. Mas seu antigo vizinho Donato sempre vinha saber se o velho Marçal estava precisando de alguma coisa. Vez ou outra faziam um jantar e Donato sempre o colocava na varanda para tomar um pouco de sol. Corroído pela idade, Marçal já não enxergava direito. Por conta disso e pelo fato de seus óculos terem quebrado outra vez mesmo estando “remendado” com massa epóxi, resolveu dar a velha televisão ao amigo Donato que prontamente, numa feira de barganha, trocou-a por uma Barra Forte usada. Assim Donato fazia inúmeros favores ao amigo como pagar contas, receber o benefício e fazer uma “fezinha” no jogo do bicho. Isso sem contar as intermináveis idas e vindas à farmácia do bairro. Naquela semana Marçal tinha enchido os ouvidos de Donato para que arranjasse uma garota pra ele. “Aproveita sua bicicleta e vai à cidade ver isso pra mim”. As ordens do velho depois deste pedido foram absolu

Tardes de inverno

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Após tomar seu café sem açúcar, sentava-se à beira do portão, alheia às causas do mundo. Ia desenhando na memória cansada a vontade inversa da velhice. Cabelos negros, dando-lhe uma beleza toda própria, diferente das avós do tempo. A aliança gasta pela lida da vida. Beirais altos como a fé antiga. Flores pelo quintal estreito. Avencas miúdas compondo o encanto do acaso. Vasto coração onde cabiam muitos. Um muro separando a grande saudade do menino. A vida em si é composta por saudades... E partiu então numa tarde triste de um inverno longínquo.

Verão bíblico.

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Como Zaqueu, vou embrenhar-me nos galhos mais altos até você passar e salvar este meu pobre mundo. Como um inseto, irei compor o soneto melancólico do amor e cantá-lo. Cantá-lo até arrebentar-me todo e libertar a poesia temporã desse sorriso esquecido.

Em grande estilo.

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Adolfo era um engenheiro conhecido na pequena cidade de Sarapó. Fez escola os seus conhecimentos sobre arquitetura e engenharia, seu estilo futurista, contemporâneo, de requinte. Ousado e moderno. Adolfo também sempre foi um boêmio. Gostava da farra, da madrugada. Foi por isso que seu primeiro casamento durou pouco. O necessário para ter um casal de filhos. Hoje, mais experiente, tentava controlar sua diabetes e seu excesso de peso. Só não conseguia parar de fumar. De quarta-feira em diante não ficava sem tomar sua cerveja e adorava uma comida gordurosa. Já não caminhava mais a pé e, para ir à padaria, que ficava perto de sua casa, ia de carro. Um velho e requintado Corcel azul marinho, seu “xodó”. Por tanto tempo de labuta, decidiu juntar sua papelada e dar entrada na aposentadoria. Mas, antes, tinha ganhado uma concorrência pública para a reforma e a ampliação do novo velório municipal. Na sala do prefeito, em meio aos concorrentes, disse em alta voz que “ele era o único a ter com

Prosa sobre todas as flores do mundo

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Foi realmente um dia muito triste, no qual se desenvolveu em nós uma nova e áspera saudade. Aquele “ser de Luz” era uma espécie de porto, onde por inúmeras vezes muitos aportavam seguros, vindos de tempestades ou apenas de um passeio pelo calmo mar da vida. Dona Ana era uma pessoa de paz, de sorriso fácil. Aniquilava a tristeza da vida com suas formas simples de viver e de servir. Seu Célio,seu companheiro por 58 anos, me confidenciou em uma de nossas conversas ao pé do ouvido um fato interessante. Comentávamos da violência que envolveu a vida do seu João Siqueira (João Fominha). Um homem que viveu para o trabalho e que teve sua vida tirada breve e brutalmente. Eu não pude deixar de dizer sobre o tanto de gente que compareceu no enterro do “seu João” naquele dia: -“Tanta gente eu só tinha visto no enterro do “Penidão”. Quando a multidão chegou ao cemitério Santa Rita já era noite, e eu, moleque, acompanhei tudo “trepado” na cobertura do ponto de ônibus, já que o muro antigo do cemitéri