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Mostrando postagens de março, 2015

O retrato do cão

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Diziam os mais antigos desta redondeza que um daqueles anjos caídos da legião de lúcifer entrou em arrependimento pelos atos cometidos e decidiu em audiência com Deus pedir seu lugar no céu de volta. Após uma longa conversa com o Criador, o desertor teve certa complacência a seu favor e teria que realizar uma tarefa que Deus determinaria pra ele cumprir. A tarefa era simples: Deus pediu que ele trouxesse uma fotografia de si próprio para que pudesse devolvê-lo ao etéreo da forma mais sublime. O cão achou aquilo muito fácil. Desceu então a terra e foi parar em Aparecida do Norte onde ficou sabendo que havia uma quantidade enorme de retratistas labutando na praça em frente à igreja. Apresentado em um impecável terno preto, o anjo caído escolheu um deles e pediu o serviço. Prontamente o retratista ajeitou sua máquina caixote, enquadrou o dito cujo e disparou o obturador. -Vai levar alguns minutos... Enquanto isso o senhor pode dar uma volta pela praça... E ali ele ficou espia

A peruca voadora

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Já foi narrado várias vezes em crônicas publicadas ao longo do tempo a fidelidade que algumas romarias tinham em fotografar sempre com o mesmo retratista que labutava na Praça Nossa Senhora Aparecida. Um grupo vindo da cidade de Araxá trazia consigo a história de um lavrador que havia encontrado a cura de um câncer e estava aos pés da Santa agradecendo pelo milagre. O chefe da romaria logo foi procurar pelo retratista oficial que sempre tirava os retratos deles há alguns anos. Era o fotógrafo Toninho Alfaiate. -Bom dia, o senhor sabe quem é o Toninho Alfaiate? Estou vindo este ano na paricida no lugar do meu pai e ele me recomendou que procurasse por ele... Impulsionado pela malandragem e pelo pouco movimento naquela manhã, aproveitando que o Toninho ainda não havia subido para a praça, o retratista Curau não hesitou: -Bom dia meu senhor, sou eu mesmo, Antonio Alfaiate. Em que posso ser útil? -Ah sim, intão... tem um cumpadre nosso lá de Araxá que carece muito em tirá um

O "primo" Lindóia

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Além de disputar romeiros durante o dia de trabalho, sempre que podiam, os retratistas se reuniam para disputar uma partida de futebol no lendário campo da santa, local onde se encontra hoje a Rádio e TV Aparecida. A coisa ficava séria quando o time do Kodak E.C., formado pelos fotógrafos da praça, jogava contra o time formado pelos agenciadores e flanelinhas. A disputa era acirrada, digna de crônica e manchete na extinta Gazeta Esportiva da época. Naquela tarde o time do Kodak ia para o jogo desfalcado de alguns considerados titulares. O saudoso retratista Bichêra era um deles. Ele optou por ir para a praça naquele dia pra ver se conseguia bater algumas chapas, visto que estava com o aluguel da sua casa atrasado e não poderia participar da peleja de logo mais. Mas o movimento muito fraco na praça ia fazendo o Bichêra desistir da empreita... Ele começou a juntar suas “tráias” quando de repente um romeiro o aborda: -Companheiro, gostaria de tirar um retrato em frente a igre

"Zap-Zap"

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“Olhos nos olhos, quero ver o que você faz, ao sentir que sem você eu passo bem demais”... Nunca pensei tanto numa música hoje em dia como esta do Chico Buarque que descreve com precisão essa espécie de liberdade em que me encontro por ter desativado o aplicativo WhatsApp do meu celular. Notei que mesmo sem querer eu andava distraído por aí, com os olhos na tela do smartphone, sem nem olhar pros lados. Isso era um perigo. Soube de um caso em Guaratinguetá de que um jovem quase foi atropelado porque atravessava a avenida olhando pro celular, grudado no “zap-zap”. Em segundos o grupo do cidadão já sabia do acontecido. Ele se safou como um verdadeiro herói entre os amigos. São simplesmente 450 milhões de usuários. Eu tenho, ( tinha ) você tem, a velha, o padre, e de repente, até o andarilho tem. Muitas pessoas abandonaram o aplicativo por conta da enxurrada de mensagens recebidas. Muitas sem nenhuma importância. A formação de grupos acarreta ainda no compartilhamento de conte

Heróis

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Ouviu alguém batendo palmas no portão do barraco. A patroa, com a cara amarrada, veio avisar: -Estes seus amigos vou te contar... estão lá te chamando pra jogar bola... Ele nem pestanejou. Calçou seu tênis velho, suas meias furadas e foi bater uma bolinha no campinho do bairro. Em meio a tantas mazelas, isso acabava sendo pra ele uma válvula de escape. Razão pela qual a patroa não implicava tanto. Antes de sair, seu filho caçula veio lhe abraçar junto com um pedido; -Papai, faz um gol pra mim hoje? -Claro meu filho. Hoje eu fazer um golaço pra você viu... E saiu preso naquela promessa. Ele tinha sido despedido do emprego. Trabalhava de empacotador num mercadinho ali perto. Era um mísero salário, mas fazia muita falta. E pra piorar, o dinheiro da sua rescisão de trabalho tinha acabado. Mal deu pra pagar algumas contas. Seu nome ainda habitava os arquivos do SPC. Seu nome já tanto tempo em desuso. A patroa ainda ganhava algum dinheiro lavando roupa