As iniciais


Ele tinha gravado as iniciais do nome dela bem ao pé da ponte. Sabia que ali, nem mesmo a corrosão do tempo ia apagar.
Um amor impossível como o seu teria que se sustentar num segredo, onde a bela mulher, que mais parecia um sonho, transformara seu viver monótono.
Os encontros sempre às escondidas lhe causavam certo transtorno. Foi assim desde quando se conheceram no ponto de ônibus numa tarde chuvosa. Nunca entendeu porque era assim, mas aceitava.
Ônibus em sentidos contrários. Pensamentos que seguiam a mesma direção.
Um belo dia ela surgiu diferente.
Atrasada diante do horário marcado, disse que seria então o último encontro. Réu confesso daquela paixão, ele tentou entender o que não tinha explicação.
Mesmo vivendo as desonras e amarguras de um casamento até então não relatado, ela disse que ia embora com o marido para o Rio de Janeiro.
Aquilo arremessou seu olhar para longe. Até onde seus olhos puderam alcançar seu vulto de mulher.
Desde então, o ponto do ônibus sempre lotado parecia-lhe vazio.
Ao passar pela ponte, conferia com olhar saudosista as iniciais gravadas ali. Iniciais gravadas pela ponta de um compasso usado sempre em suas aulas de geometria. Do circulo da memória ela nunca mais saiu.
Tudo que sobrara em seus pensamentos eram o gosto do beijo e as iniciais gravadas no caminho.
Um dia, a improvável corrosão do tempo derrubou a velha ponte. Ele soube disso pelo rádio da avó quando tomava café da manhã.
Correu. Correu muito até avistar a velha ponte submersa no rio que corria também. Inexorável e impoluto.
Aquilo arremessou seu pensamento para muito longe.
Foi até onde seus olhos não puderam ver mais nada.
Num silêncio cortante, entre curiosos que não viam sua dor, teve tempo ainda de pedir que o rio levasse também a saudade que sentia.
Iniciais que nunca mais se cruzaram.

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