Uma noite de apreensão.


No ano de 2006, quando houve as rebeliões nos presídios do Estado de São Paulo, a cadeia pública de Aparecida também teve seu momento de “apreensão”.
Houve um motim e um policial civil acabou ficando refém dos presos em questão.
Lá, durante a rebelião, segundo informações colhidas depois, amotinados subiram um gradil para fazer alguma reivindicação e um detento de dezenove anos acabou levando vários tiros. Isso ocorreu por volta das 2 horas da manhã.
A viatura policial desceu a Rua Barão do Rio Branco na contra mão e quase adentrou ao Pronto Socorro com a velocidade que estava. Estavam todos com o semblante apavorado e solicitaram a maca com urgência, pois o detento baleado estava em estado grave.
Removido o preso para a sala de emergência percebi com os demais colegas que ele já estava morto. Minutos depois chega ao P.S. o delegado de policia que foi direto falar com o médico de plantão. Entraram numa sala e ali ficaram por alguns minutos. Depois, a ordem dada ao médico chegou até a mim também. Era necessário que a notícia da morte do detento não “vazasse”, pois se isso acontecesse, matariam o policial que estava como refém na delegacia.
Solicitei ao delegado que dispusesse de algum policial para ficar um tempo por ali temendo qualquer represália de outros bandidos da organização. Mas devido à gravidade das rebeliões me disse que seria impossível. Percebi então que somente Deus estaria comigo ali.
Depois de um bom tempo eis que adentra o Pronto-Socorro um senhor procurando o jovem detento me dizendo ser o pai e que tinha a informação de que ele havia sido baleado na cadeia de Aparecida e que “provavelmente” poderia ter dado entrada ali, já que era o local mais próximo. Fiquei sem ação. Não sabia se contava a verdade ao pai do adolescente e colocava em “cheque” a vida do policial refém ou omitia qualquer informação ao desesperado homem. Friamente disse que não. Que a viatura trouxe o jovem ao P.S., mas que seguiu para Guará, devido à gravidade do caso.
O homem pegou sua bicicleta e seguiu para Guaratinguetá a procura do filho.
Depois disso os telefones do hospital não pararam mais de tocar. Era gente querendo informações do jovem baleado a qualquer custo. Percebi que as ligações eram feitas de celular e devido à “gíria” usada na conversa pareciam ser de detentos do Presídio do Potim. Numa dessas ligações a pessoa começou a perder a paciência a partiu para a ameaça, dizendo que se o “mano” não desse o paradeiro do jovem baleado a “coisa ia pegar” e que com seus contatos, estariam no P.S. para colher pessoalmente melhores informações da vitima que até então ninguém sabia que tinha morrido.
Eu não sabia o que fazer naquele momento. Só sei que as horas não passavam e o telefone não parava de tocar. Não me saía da memória o rosto desolado do pai a procura do filho perdido. Não me saia da grandeza a vida do policial refém. Também me atormentava meu medo do acontecido, se eu voltaria pra casa aquele dia ou não, tamanha a apreensão dos motins espalhados por todo estado.
Celebrei a vitória daquele plantão quando o relógio enfim marcou sete horas da manhã. Entreguei ao Deus infinito aquela alma jovem que se perdeu, aquele pai desesperado que partiu sem respostas e a vida de um policial que eu nem conhecia, mas que assim como eu, apenas cumpria com sua obrigação.

Dedico este texto ao meu amigo Wilson "fio di deus"...

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