Ouvindo vozes...


Vindo lá do ponto final da Rua Santa Rita, o ônibus da Marrom começa a preencher todos os assentos já na rodoviária.
Todo tipo de assunto sucumbe ainda pela cara mal humorada do cobrador e da cara de sono de quase todos.
Mas tem sempre algum passageiro engatilhando um assunto que, meu Deus, vai até Guaratinguetá falando sem parar.
“O tempo mudou de ontem pra hoje”, “Se continuar assim vai esfriar”. É o que se ouve quando a falta de assunto prevalece.
Ao passar pela roleta, duas senhoras questionam entre si “qual o motivo pra passagem ser tão cara”. Sem culpa desse monopólio, o cobrador nada diz e fecha ainda mais a cara diante da passagem tão cara.
Logo, uma velha senhora lá na frente emplaca a frase: “Mas porque tanto escândalo por causa de um grampo?” Se ela não lê jornal, nunca vai entender.
Um carro de som estridente que vendia seus produtos sem saber que assim afastava os compradores atrapalhou que eu ouvisse o resto da conversa, pois a velha desceu em frente à Santa Casa. Creio que a conversa teve um final épico.
Todos os assentos tomados, cotovelos já incomodando os que estão de pé, e segue o destino ambulante pela avenida “Padroeira do Brasil”...
Depois de uma parada, um menino indaga sua mãe “porque toda a placa de preço dependurada em frente ao supermercado tem o número ‘99’”. Criança tem cada pergunta...
Mas sua mãe diz que isso é pra enganar trouxa. “Eles nunca devolvem aquele um centavo de troco”, finaliza a mulher.
A arrancada do Corinthians nessa etapa inicial do campeonato é manchete nos jornais e dentro do ônibus. Ninguém acredita que isso possa continuar e nem que o sonhado estádio do time vai sair. A comparação é inevitável e vira um trocadilho que beira a revolta quando alguém resmunga: “Tem tanto curintiano passando fome e sem ter onde morar e o governo vai liberar 820 milhões para se fazer um estádio”...
Esta discussão viraria tema de documentário depois que um outro, provavelmente alvinegro, respondesse à ofensa dizendo em tom clássico: “Curintiano não passa fome não, se alimenta de vitórias”.
Com minha barriga roncando, eu que não tomei café, achei meio fora de hora aquela filosofia. Um “empatizinho” já ajudaria na dieta.
O fiasco da seleção no domingo passado ainda passeia entre os assuntos mais falados dentro do ônibus. Das piadas prontas, uma se destaca e é desferida por um passageiro de pé falando ao celular: “O que o Cebolinha disse pra Mônica depois do jogo do Brasil no domingo?” Do outro lado da linha, provavelmente não se ouviu a resposta que logo o cara desvendou: “É Elano que se aplende”...
Por fim, bem antes de chegar ao meu destino, ainda posso ouvir um senhor resignado desferir uma pérola sobre a crise no governo Dilma:
“Está todo mundo puxando o carro no ministério dos transportes”...
Eu puxei a cordinha do sinal com certa dificuldade questionando na cachola “qual o motivo dela ser tão alta”.
Como muitos assuntos e perguntas, já na calçada, estou sem saber direito qual a resposta concreta para cada situação.
E, aliviado, já não ouço mais vozes a me perseguir...

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