Americanização
Desde muito tempo, a necessidade que o homem tem de se comunicar o fez ultrapassar seus próprios limites. Em épocas distintas o modo de se expressar foi se transformando e para se definir alguma situação foram surgindo “bordões” e denominações populares herdados das pessoas mais antigas. Essa sabedoria popular definia com certa precisão aquilo que as pessoas muitas vezes não conseguiam explicar formalmente, pois, a maioria das pessoas tinha maior dificuldade em cursar escolas e faculdades onde o lado intelectual acabava ficando estacionado.
Hoje, devido à americanização de inúmeras palavras, caíram em desuso aquelas denomi-nações que eram quase sempre incorporadas na informalidade do nosso dia-a-dia.
Quando se tem excesso de estima com alguma coisa, minha mãe sempre diz: “Urubu que paparica muito o filhote acaba derrubando do ninho”. Para definir quando certas pessoas abusam da bondade de outras diz: “Enquanto existir cavalo São Jorge não anda a pé”.
E por aí seguia: “O que a água dá a água leva”. Isso definia quando alguém conseguia algo de forma desleal e que poderia esperar pelo prejuízo dobrado depois.
“No caminho de pobre cambuquira não enrola”. Essa iguaria, o broto da abóbora, era uma espécie de mistura lá em casa quando não se podia comprar outra coisa.
Meu pai, sempre desconfiado e cuidadoso com as coisas falava: “Cachorro mordido de cobra tem medo de lingüiça”. Ou, “gato que já levou tijolada não dorme em olaria”.
Por quantas vezes eu acordei de ressaca e ele falava: “mordida de cadela se cura com o pêlo dela”. Tipo, “se tomar outra sara”. “Se ferradura desse sorte, cavalo não puxava carroça”. Isso era sempre para encurtar a prosa quando a conversa “descambava” (ia) pro lado da superstição. “Fulano foi pro beleléu” ou “abotoou o paletó”. Isso era quando alguém morria. “Cuidado pra não dar uma sororoca em você”. Isso era quando alguém misturava bebidas ou comia demais. Palavras como “malemá” que significa “mais ou menos”, “encafifado” que quer dizer “pensativo com alguma coisa”, “encasquetou”, o mesmo que “cismou” e “itê” usado pra definir o sabor de uma fruta ainda sem amadurecer, já não é qualquer um que atualmente consegue entender seus significados.
Hoje as Lan Houses e os Self-services tomaram conta do linguajar urbano. Isso sem falar na calça Jeans e nos Cheese-burges que nos acompanham já há décadas junto daquelas lojinhas de roupas na cidade que tem sempre um nome estrangeiro devido as grifes de moda.
Os abreviados Cds e Dvds tomaram conta dos lares que antigamente já pertenciam aos long-plays, junto dos refrigerantes diet e light e a cerveja long-neck. O test-drive e o insul-film viraram realidade entre os carros que agora tem air bag. Orkut, E-mail, Internet, Explorer, rave são algumas outras palavras que convivemos quase diariamente.
O argumento que as pessoas têm é que pra ser moderno hoje em dia tem que falar inglês. Ser globalizado não significa perder a identidade. Muito pelo contrário, é a forma de elevar a cultura do país ao conhecimento do mundo sem imposição, numa liberdade de expressão contínua e responsável. Sem fugas do contexto.
Em poucas linhas podemos notar que já não há parâmetros para saber onde vai parar essa americanização maciça. Seguir essa rota é andar por caminhos escuros.
Se comunicar no próprio idioma poderá um dia cair em desuso diante de sua própria falta de utilização. Poucos falarão de coisas que quase ninguém poderá entender. A dinâmica e as ramificações da nossa língua poderão perder seu lugar. A língua portuguesa é um dos idiomas mais difíceis de ser falado em todo mundo. Não tem porque estar agora ligada a denominações estrangeiras que não dão respaldo nenhum para seu reconhecimento mundial.
E como dizia meu finado pai “João de barro que acompanha morcego acaba virando servente de pedreiro”. Esse também pode ser o futuro da nossa lingüística se acaso nossas raízes não superarem seus limites para não desaparecerem, e assim, evoluir de uma maneira independente, dentro de sua própria conjuntura, sem influência desta “americanização” que invade nosso cotidiano de uma forma desmedida, assolando cada vez mais a nossa vasta cultura.
Talvez um dia, por conta dessa americanização, seja inevitável que a língua de cada povo vire com o tempo um simples dialeto.
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