Perpétua.


Desde muito tempo, o dia de finados era muito movimentado na Santa Rita. Pois é ali no cemitério velho que descansam famílias tradicionais, padres redentoristas e políticos, além de baluartes da municipalidade em todos os segmentos.
O comércio formado ao redor do cemitério nesse dia vai desde barracas de pastéis com garapa até as tradicionais barraquinhas de flores e velas, passando ainda por moleques guardadores de carros.
Foi-se o tempo em que a criançada passava o dia todo carregando baldes e mais baldes de água para ajudar as madames da praça a lavarem seus futuros jazigos de mármore e encher os vasos com flores. Naquele tempo não havia o risco de proliferação do mosquito da Dengue. Alguns dos nossos ficavam ainda um bom tempo limpando as lápides de bronze, onde os nomes dos falecidos brilhavam rumo à eternidade de um tempo.
Fora as gorjetas que atraíam até mesmo os engraxates da praça, a recompensa pelo árduo dia de trabalho era surrupiar num túmulo de uma família de japoneses os mais variados tipos de frutas que a tradição oriental permitia que eles colocássem em nome de seus ente queridos. Muitos não comiam nem sequer uma uva sentindo nojo daquilo, achando que de alguma forma pudessem se contaminar. Cresci bebendo água e comendo frutas e Içás de dentro do velho cemitério e não morri até hoje.
O cemitério em seu dia de finados foi um lugar muito disputado pela informalidade comercial. Mas hoje, com o passar dos anos, essa disputa acabou sendo por um pedaço daquele latifúndio sagrado que desemboca na posteridade.
E de tanto a gente viver por ali, muitas vezes a gente ajudava os visitantes a procurar a sepultura de suas distintas famílias naquele labirinto de alas. Tudo só para angariar algum trocado com a geral dada no suposto jazigo perdido.
Certa vez, um dos nossos, nesse garimpo de ajudar a encontrar o túmulo da família de um casal muito simples, caminhando pelas alamedas silenciosas do velho cemitério Santa Rita, escutou o indivíduo comentar com a esposa com certo ar de espanto o fato de “como a família Perpétua era grande”. A esposa, também espantada com essa magnitude, comentou ainda sobre a quantidade de sepulturas que a “família Perpétua” possuia por ali, achando um absurdo aquele “monopólio”, visto que há muita gente neste mundo que “não tem onde cair morto”.
Foi areando a lápide de bronze do túmulo da família deles com um Bom Bril que meu amigo pôde perceber que o casal em questão também era descendente da vasta “família Perpétua” e que nem tinham se detido a isto...

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