O chifre
Por conta de minha filha Larissa estar tendo febre há uns três dias,
uma tia de minha esposa, em conversa por telefone, foi sucinta em seu
comentário:
“Essa menina está assustada ou
aguada por alguma coisa”...
De fato, em duas idas ao pronto socorro, os pediatras não conseguiram
detectar nenhum problema mais grave. Não era garganta, ouvido ou algum dentinho
nascendo, o que estava causando estranheza pela febre decorrente.
Além de dar o “diagnóstico”, a tia foi logo dizendo o “antídoto” para
a cura: chá de hortelã com raspas de chifre de carneiro.
Vivi entre as crendices populares típicas de cidades do interior. Convivi
com todos os meus avós e minha mãe, nos arautos dos seus 78 anos, ainda prega
essa cultura popular de usar plantas e métodos pouco convencionais para curar algum mal. Assim sendo, mesmo cético
para algumas coisas na vida, lá fui eu tentar encontrar o tal chifre...
Não me aventurei em outro lugar sem antes passar pelo mercadão de
Guaratinguetá. A minha intuição estava aguçada e não poderia ser em outro local
que eu ia encontrar a “iguaria”.
Ao perguntar para uma senhora que vendia raízes e chás sobre o chifre
ela me indicou outra loja no pátio do mercadão onde com certeza eu ia encontrar
o que eu procurava.
Chegando ao estabelecimento, um forte cheiro de incenso denunciava o
aspecto daquele comércio. Tudo que alguém pode precisar sobre umbanda e afins.
Logo o balconista veio me atender:
-Meu amigo, procuro por um tal
chifre de carneiro. Você tem isso aqui?
-Claro, claro, temos sim. O
problema é encontrar, pois minha esposa fez uma arrumação aqui ontem e sempre troca as coisas de lugar...
Expliquei para ele o motivo de estar procurando o chifre. Ele,
solícito, acabou por me explicar a forma de fazer o chá.
Nisso, eis que adentra ao lugar uma senhora que na prateleira começou
a juntar velas coloridas. Parecia distraída entre os apetrechos até o momento
em que me ouviu dizer a frase:
“-Obrigado meu amigo. Seu eu
chegar sem o chifre em casa hoje minha mulher me mata”...
Foi no mesmo momento em que a velha me interrompeu dizendo:
“Meu filho, posso lhe ensinar um
‘trabalho’?” Antes de dizer que sim, ela continuou:
“Pegue um lenço de bolso seu,
molhe ele com um pouco de perfume da sua mulher e dá um nó. Vá bem cedo ao
cemitério e faça um buraco entre as sepulturas. Jogue o lenço lá dentro e jogue
a terra por cima. Você vai ver... sua mulher vai deixar de te colocar chifre em
dois tempos. Agora, como as pessoas estão cheias de “modernage” hoje em dia,
se o marido gosta de chifre, é melhor ficar amigo do sócio né”...
Eu só vi o balconista rindo e rodando o dedo indicador em volta do
ouvido mostrando que a tal velha não era muito boa das idéias.
Tomei meu rumo com certo alívio por ter encontrado o tal chifre.
O chifre do carneiro, não meu...