Um tempo incompleto.
Ninguém sabia daquele segredo.
No barzinho do Hermínio logo no começo da Padre Gebardo era onde ficavam escondidas as figurinhas mais difíceis. Eu descobri isso sozinho das vezes em que íamos para a casa da minha avó que ficava lá no alto desta rua.
Sempre que eu juntava algumas moedinhas, gostava de fazer diferente dos outros moleques da minha geração. Os chicletes Ping-Pong de morango que eram da cor rosa eram raros na redondeza e traziam por isso as figurinhas mais difíceis. Diferente dos chicletes verdes de hortelã e os azuis sabor tutti frutti, que traziam sempre as mesmas repetidas figurinhas. Naquele egoísmo juvenil, nunca disse a ninguém o segredo do Bar do Hermínio e poderia assim me gabar entre todos da minha turma tendo em mãos aqueles raros craques do futebol.
Em 1982 a febre eram as figurinhas da Copa do Mundo da Espanha. E elas não eram vendidas em bancas de jornal não, nem eram esses cromos bonitos de hoje disputados até entre adultos. Elas vinham em chicletes de bola. As remessas nos bares da cidade esgotavam-se de forma impressionante. Todo garoto da minha época queria a qualquer custo encher o álbum com aqueles craques do futebol mundial. Maradona, Platini, Dassaiev, Lato, Rummenig, Sócrates, Dino Zof, Zico. Este último era tido como a “figurinha carimbada”.
E para encontrar o “tal” camisa 10 daquela geração de ouro do futebol brasileiro eu tinha uma estratégia: o Bar do Hermínio. Somente eu teria então o álbum completinho. Mas minhas moedas se esgotavam muito rápido e eu não conseguia encontrar o camisa 10 do Brasil. Recorria então ao meu pai, mas minha mãe sempre conseguia estragar tudo dizendo que “ chiclete estragava os dentes”. Eu já tinha mascado tanto chiclete naquela busca que um a mais, um a menos, não ia fazer diferença alguma. Mas tive que esperar até meu pai ficar sensibilizado coma minha ânsia de menino pelas tais figurinhas da copa, encabeçada pelo craque Zico. Depois de me passar um senhor de um sermão alertando contra as cáries que iam me estragar os dentes, consegui finalmente ganhar algumas moedas dele. Lá no Hermínio, arrematei os chicletes que me foram possíveis com aquele “suado” dinheirinho.
Mascando desesperadamente cada chiclete, que em certo ponto ficavam enjoativos, minha frustração ao abrir cada embalagem era notória: nada de encontrar o “Galinho de Quintino”. Tirei até mesmo outros craques que faltavam no álbum, mas nada do nosso camisa 10.
A seleção brasileira que encantou o mundo em 82 acabou sendo sinônimo da maior frustração do futebol mundial em todos os tempos. Uma geração de craques que jogava por música e de forma antológica. Comandados pelo mestre Telê Santana, Valdir Peres, Leandro, Edinho, Luizinho, Toninho Cerezo (ah Cerezo...), Júnior, Falcão, Sócrates, Serginho, Zico e Éder, não conseguiram trazer aquela copa. E eu menino, sem entender muito bem a raiva dos adiltos por um tal de Paolo Rossi, fiquei triste também. Foi dolorido e trabalhoso esquecer.
No meu álbum de figurinhas, mesmo recorrendo várias vezes ao Bar do Hermínio, ficou faltando o craque Zico. No fundo da boca a falta foi de um dente, que cariado, também doeu e deu certo trabalho para que a dentista da escola o extraísse depois.
Ficaram um sorriso, um tempo e um álbum incompletos.
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