“Recanto Cesarina”.
Verões inesquecíveis eram aqueles em que a gente passava nas “Pedrinhas”, se instalando no “Recanto Cesarina”. Uma casa de “veraneio” que meu tio Pedro Rafael e a tia Lola tinham naquele bairro de Guará. Cesarina era o nome da minha avó que meus tios resolveram homenagear depois que ela se foi.
Lugar onde a gente passava o dia inteiro e vinha embora só quando o sol já estava se pondo, avermelhando o céu no desalinhado horizonte riscado pela Mantiqueira.
Sempre me recordo com toda nitidez a imagem do meu tio Zé Dias comandando a criançada que ia buscando ao longo do ribeirão as pedras para ele assim formar uma espécie de represa, que logo viraria nossa piscina natural. Era um privilegio ter o ribeirão passando apressado bem nos fundos do quintal da casa.
Sentada sob a sombra de uma goiabeira que ficava ás margens do ribeirão, minha avó, cabelos todos pretos, diferentes das avós do tempo, parecia tranqüila e feliz com a bagunça da “netaiada” pulando na água. Ia girando no dedo a aliança já gasta pela lida da vida sem ter pressa de nada. Procurando com olhos mudas de alguma planta pra levar pra cidade depois e decorar o quintal da casa, onde quem reinava, eram avencas miúdas e solitárias.
De vez em quando os adultos se reuniam e iam beber nos bares dali. Tinha o Bar do Valentim, que resiste até hoje por lá, e o Bar do Zé Camarada. Esse fazia ainda um imperdível frango caipira que o freguês escolhia na hora.
Conta a lenda do lugar que um dia, a turma decidiu comer um frango caipira no Bar do Zé Camarada. Um deles, pra não perder tempo, foi na frente encomendar o frango pra adiantar o almoço. Chegando ao bar, o Zé Camarada disse ao freguês:
-É só escolher aí compadre. Joga um pouco de milho que a “galinhada” vem correndo. Ás vezes as penas do frango enganam o fazendo parecer que está gordo. Mas tem que ser rápido e pegar pra ver se realmente está pesado. Não adianta escolher só de “zóio”.
E assim o “leigo” escolheu uma:
-É aquela ali seu Zé! Aquela “carijózona” ali.
E corre daqui, e corre de lá. Cercaram a galinha perto de uma cerca de bambu e depois de muito “baile” pegaram a danada.
Batendo a poeira do corpo, nosso amigo pediu uma cerveja e uma 51. Sentou numa mesinha e ficou esperando o resto da turma.
Demoraram pra chegar, mas quando chegaram, foram logo perguntando pelo frango, tamanha era a fome.
Já com umas três cervejas na cabeça, o amigo fez a maior propaganda do prato delicioso que ele mesmo havia escolhido:
-Eu escolhi a maior de todas. Uma “baita” que o Zé Camarada ficou até com dó de mandar pra panela. Não foi mesmo Zé?
-Foi mesmo. “Cês” deram sorte. Mais uma cerveja? Outra pinga?
Cerveja vai, cerveja vem e o frango já estava demorando pra ser servido.
-Fulano, você pediu mesmo o frango ou foi galinha da angola? Está demorando tanto pra cozinhar... Já estou morrendo de fome.
Mais pra lá do que pra cá, o amigo que havia escolhido a galinha retrucou:
-Vocês pensam que eu sou bobo? Claro que eu pedi, e foi aquela ali olha...
Quando todo mundo olhou pra trás, a carijó escolhida estava no terreiro, ciscando bem tranqüila e bem longe da panela. Foi só risada.
Acho que o Zé Camarada já tinha vendido aquele mesmo frango umas trezentas vezes...
O tempo se desloca tão rapidamente por entre nossos dedos e a gente nem percebe. Minha avó se foi numa tarde distante e chuvosa, como quase todas aquelas tardes dos nossos verões nas “Pedrinhas”.
O Recanto Cesarina mudou de nome e de dono. E nem mesmo a saudade permaneceu igual. Na verdade ela aumentou, e, vez ou outra, chega até a dar um nó na garganta da gente.
Sua bênção vó Cesarina, até um dia.
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