Penitência.
Quaresma é tempo de recolhimento. Tempo de conscientizar o pensamento de que algumas renúncias podem acalentar o corpo direcionando-o para o sentido de coisas suficientes, sem a natural extravagância desnecessária que envolve qualquer pessoa.
A atitude da penitência é gerada a partir do momento em que a pessoas se abstém de algo que lhe agrada muito em fazer, embora algumas atitudes de vivência superem qualquer exemplo neste sentido.
Alguns ficam por toda a quaresma sem tomar cerveja. Outros deixam de comer carne vermelha. Mas após esse período, ficam “doidos” e bebem como se o mundo fosse acabar no outro dia. Um conhecido meu ficou fazendo uma vez até “contagem regressiva” esperando dar a meia noite do sábado da aleluia só pra acender a churrasqueira e fazer uma boa farra. Essas atitudes remetem o verdadeiro sentido da penitência ao peso de nossas fraquezas. Não deixam entender o sofrimento do Salvador e nem que transponham para o dia a dia os ensinamentos daquele calvário.
Lembro-me com toda exatidão que naquela noite o Pronto-Socorro onde trabalho estava com muita gente aguardando atendimento.
Era noite de sábado de aleluia e a maioria dos casos estava mesclada com problemas de pressão arterial e estórias de mal-estar e diarréias.
O quadro trazia em evidência que a grande ingestão de peixes e frutos do mar devido à semana santa estava sendo a grande responsável pelos casos de distúrbios estomacais.
Num determinado momento, eis que chega até a recepção uma freira daquelas que parecem fazer votos de total pobreza, num hábito marrom mais parecendo “encardido” e descalça de sandálias.
Ela se dirigiu até a mim e solicitou uma consulta com o médico de plantão.
Indaguei a religiosa perguntando qual era o caso que a trouxera até ali.
Numa estória meio confusa ela me disse:
-Durante as minhas penitências desta semana santa, jejuando até ontem, hoje eu comi uma sardinha e, por acidente, um espinho deste peixe acabou parando na minha garganta.
Pedi para que ela aguardasse um momento, pois ela teria que ser atendida pelo médico cirurgião.
Ela me interrompeu e disse ainda:
-Acontece também meu filho que antes de vir até aqui eu tentei de tudo para retirar o “bendito espinho” da minha garganta. Comi quase um quilo farinha de mandioca e nada. Aí eu tentei tirar o “bendito” com um garfo. Só que eu acabei engolindo o garfo. Você acredita?
Não consegui encontrar resposta para aquela pergunta um tanto absurda. Também não duvidei do que a freira tinha me falado.
Encaminhei a religiosa para dentro do pronto atendimento, chamei alguém da enfermagem para desmembrar o fato e segui para o meu setor.
Até tinha me esquecido do assunto quando percebi um certo “tititi” lá dentro.
Fui ver o que estava acontecendo e de longe eu reparei num médico rodeado de enfermeiros olhando uma chapa de raio-x contra a luz que, com a boca aberta, deixou escapar o seguinte comentário:
-Meu Deus! Nunca vi isso em toda a minha vida!
Eu também não acreditei quando olhei o raio-x e vi o garfo lá, entalado um pouco abaixo da garganta da freira.
O ato cirúrgico ocorreu com todo sucesso no dia seguinte pela manhã onde puderam enfim retirar aquele corpo estranho da garganta da religiosa, uma mulher fiel às suas penitências.
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