Protegendo os dias.
Foi há muito tempo atrás, quando eu carregava marmita para meu pai na Editora Santuário. Numa sala anexa a guarita, ele raspava a marmita comendo o arroz e o feijão com fome de rei. Vez ou outra um ovo frito e um virado de cambuquira.
Depois de satistfeito, ele me acompanhava até a esquina da “Rua Nova”. Ás vezes a gente parava um pouco no Seminário Santo Afonso e ficava sentado sob as sombras das árvores como se o mundo estivesse parado. Foi ali que ele me mostrou uma imagem, que do alto do portão de entrada, zelava pelo lugar. Um anjo dominando um dragão com uma espada na mão. Nos seus ensinamentos, papai me contou que era São Miguel Arcanjo, protetor nos caminhos que a gente percorria.
Quando ele não podia me acompanhar, eu sempre pedia a proteção ao anjo São Miguel no caminho de volta pra casa. Ao passar em frente ao cemitério velho, eu sabia, ele também me mostrara, que a capela ali dentro era dedicada à São Miguel Arcanjo. Pouca gente sabe disso.
Nas festas de São Benedito, papai teria que tirar muitos retratos para ilustrar o Jornal Santuário. Certa vez, fiquei alguns minutos parado olhando para os anjos no alto da igreja de São Benedito. Dois anjos, um de cada lado, que resistiam ao tempo e zelavam pela harmonia do instante. Mais dois, na entrada do templo, que guiavam quem chegava à praça.
Numa certa angústia perguntei para meu pai onde estavam o dragão e a espada dos anjos. Ele disse que não eram os mesmos anjos como o de lá do seminário, mas que foram esculpidos pela mesma pessoa: um artista chamado “Chico Santeiro”. Eu não sabia quem ele era. Mas meu pai sabia, e isso pra mim já era o bastante.
Ele então me levou para dentro da igreja, onde em voz baixa, me mostrou a presença marcante desse artista retratada também numa imagem do Santo Negro esculpida há anos pelas hábeis mãos. Criança, pus-me a pensar como o tal “Chico Santeiro” se preocupava com nossa proteção.
Durante a vida toda fui encontrando mais obras dele pela cidade. Mas meu pai já não estava mais junto, pois havia virado saudade. Eram anjos, estátuas e cenas dos milagres concedidos por Nossa Senhora Aparecida. Os milagres da corrente, o cavaleiro que queria entrar com seu cavalo na igreja velha, o milgare da ceguinha, todos perfilados na galeria do Hotel Recreio. A gruta da Santa Casa e os três pescadores do Porto Itaguaçú.Tinha até um índio com uma cartola na entrada do Umuarama Clube e a estátua de um sertanejo no trevo da Via Dutra que desapareceram com o tempo.
O Professor Alexandre Lourenço definiu Chico Santeiro como um “artista iluminado em busca da perfeição e da essencialidade da vida”. A plasticidade permitida pela técnica aplicada e por ele criada gerou obras com formas de proporção e expressividade admiráveis.
Ainda hoje, pedindo proteção, me detenho aos anjos da igreja de São Benedito e vejo Chico Santeiro como expressão máxima de liberdade, com obras de grande importância histórica. Arte a serviço da devoção e da proteção dos dias.
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