A influência das palavras
(Texto dedicado ao fotógrafo e amigo Jorge Bráz).
Indo além do tempo, consigo entender que fotografar é reter ainda mais a magia dos instantes. A fotografia tem o poder de restituir, resgatar e revelar um processo histórico de incansável nobreza e fidelidade para simplesmente eternizar.
E o que aproxima a fotografia da arte não é somente o que ela mostra, mas aquilo que quem fotografa vê.
Em um dos seus textos, a professora Zilda Ribeiro relembrou nas paginas do Jornal Tranca e Gamela alguns apelidos dos fotógrafos “lambe-lambe” que fizeram história na Praça Nossa Senhora Aparecida. Tais como seus pseudônimos, eram pessoas simples, com uma pronúncia informal, capazes de criar até mesmo uma espécie de “dialeto” entre si.
A expressão “frú”, por exemplo, era quando a fotografia ficava tremida ou fora de foco. “Velô” era quando se perdia uma chapa por ter entrado luz dentro da máquina. “Granulô”, fotografia que perdia a nitidez. Ficou uma “água”, quando a chapa não revelava. “Pé de galinha”, tipo de fungo que dava nas lentes objetivas. Em razão disso, a lente “não cortava”, ou seja, não dava perfeição na fotografia.
E sem querer, a arte de fotografar acabou tendo influência nesse aspecto lingüístico deles. Quando em 1840 Willian Talbot criou a primeira máquina fotográfica, houve uma revolução mundial, e quando a primeira fotografia foi feita por Joseph Niepce, surgiu um modo novo de conhecimento humano que ia além do tempo e da própria história.
Aqui, a influência estrangeira da fotografia teve seu auge quando se infiltraram no Brasil máquinas, lentes objetivas e ampliadores com nomes complicados de serem pronunciados. Mas os fotógrafos daqui simplesmente se adequaram às novidades do mundo. E por necessidade, acabaram aprendendo mais do que talvez pensassem que podiam.
Surgiu então um amontoado de palavras que acabaram fazendo parte do cotidiano daquelas pessoas simples: Kodak, Soligor, Zeiss, Werra, Kapsa, Pearl River, Krokus, Tuka. Lembra da Tuka? A famosa Rolleyflex, Walzflex, Flexaret, Start, Agfa, Anastigmat, Meopta, Ektar Lens, Nitto, Mamiya, Minolta. As modernas Kanon e as primórdias Bering Shutter. A Polaroid, Pentax, Leica, Olympus, Yashica, Nikon, Zenith, Werlisa.
Certa vez meu pai contou que a esposa de um fotógrafo lá da praça quase abandonou o lar, fazendo o cidadão ficar um tanto intrigado. Algum tempo depois se foi descobrir que ele havia pronunciado a palavra “Werlisa” enquanto dormia, o que fez a esposa achar que o marido tinha arranjado uma “amante”.
A impressão que se tem é que a globalização maciçamente falada nos dias de hoje é antiga entre os fotógrafos daqui. Mas, mais antiga ainda, é a saudade daquela época áurea dos “lambe-lambe” que nem mesmo a tecnologia digital irá conseguir remontar e revelar com tanta maestria e precisão. E essa tecnologia só será considerada um ganho incontestável para a história da fotografia se souber desenvolver também um dom de preservar a memória dessa arte.
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