Nunca será em vão...


O desespero incomum do general acordara todo o palácio.
Num pesadelo, ele acreditou que seu reino estava prestes a ser tomado. O inimigo se aproximava sorrateiramente.
Ordenou que arriasse seu melhor cavalo. No entanto, foi o menos magro dos pangarés que mal conseguia sustentar o arreio e sela. Isso sem tirar que o pobre animal mancava de uma pata. Mesmo assim a ordem soou alto pelo reino. Ele queria que seu exército se posicionasse em revista e mandou que seu comandante elaborasse um plano emergencial para a guerrilha.
De frente com uma dúzia e meia de soldados, todos desdentados e raquíticos, passou a tropa em revista. Foi uma cena lastimável...
O brilho de suas medalhas na lapela entrava em contraste com a mansidão deteriorada dos soldados que mal conseguiam segurar seus bacamartes enferrujados pelo tempo sem luta.
O ministro da guerra sugeriu que ele posicionasse a tropa em descanso e foi em “téte a téte” ter uma palavra com o general:
“Somente um louco não enxerga o que nos tornamos general. Acho que a melhor coisa para nossa sobrevivência é a rendição. Veja: estamos em desvantagem tanto em contingência como psicológica. Lutaremos em vão senhor”.
Obcecado pela luta, o general quis punir seu ministro pela infâmia apresentada e não desistiu:
“Vamos banir do mapa este exército de homens sórdidos e tomar toda a província”...
Neste momento, a tropa já tinha tido algumas baixas. Alguns dos soldados sucumbiram ao sol escaldante daquela manhã e foram parar na enfermaria. Teriam o mesmo fim dos bandidos do reino, recebendo todos a alcunha de desertores, decretou o chefe maior.
Quando o portão do palácio se abriu o que se viu foi um imenso exército de homens todos vestidos de branco que empunhavam ao invés de armas, seringas e garrotes. O general teve a honra saqueada por dois brutamontes que lhe impuseram uma camisa de força. O ministro da guerra tentou fugir e foi também abordado pela força de outros dois carrancudos enfermeiros.
Antes de receber a agulha da seringa em suas veias, o general ainda balbuciou ao seu já dopado ministro: “Amanhã meu caro é outro dia. Nossa luta nunca será em vão”.
Todos os outros soldados, alguns dissimulados, fingiam não fazer parte daquela tropa e andavam de um lado para o outro no pátio interno fugindo dos olhares dos enfermeiros, esgueirando sorrateiramente pra debaixo de um tapete imaginário. Viam as agulhas como baionetas prontas para ferir.
Antes de fechar as pálpebras sucumbindo ao efeito do remédio, o general ainda pode observar um dos homens de branco ajustar as correntes que trancavam os portões daquele manicômio, tirando de vez a chance da sua revolta armada naquela manhã e deixando explícita a derrocada do seu exército que tentava tomar a província da sã consciência...

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