Um Poeta no Bar da Zizi...


Era na mesma mesa de sempre.
Maltrapilho, mas com algumas notas de dinheiro no bolso, era da mesma esfera que tinha a visão privilegiada do lugar.
Fazia uma oração silenciosa ante a pequena imagem da Santa feita de gesso no alto da parede. Estava enfim protegido.
Mal se sentava, lá estava a Zizi Macedo trazendo-lhe primeiro um aperitivo. Depois uma cerveja da qual bebia vagarosamente gole por gole, como se seu mundo particular estivesse em pausa.
Uma caixa de som amarrada na mangueira impoluta do quintal trazia um som agradável ao ambiente. Por perto, passarinhos em debandada anunciavam o fim do dia imprimindo no céu certa liberdade. A tarde caía lenta e azulada num tom de azul ajustado secretamente por Deus.
Fumaria um, dois, três cigarros antes de pedir outra dose mais forte que jogava goela abaixo sem hesitar.
A aparição das estrelas tornava tudo mais belo. Isso fazia a esferográfica rolar soberana sobre um pedaço de papel.
Pronto! Ele então estava de volta ao submundo da solidão escrevendo rimas e versos. Escrever era mesmo um ato solitário.
Logo a clientela começava a chegar. Zizi, nas voltas entre o fogão e a geladeira, abraçava seu ofício com delicadeza e prontidão.
Ele observava tudo atentamente, sem confundir o desespero da sua poética com a precisão do momento inspirado. Tinha sabedoria em entrelaçar vocábulos esquecidos do tempo do dicionário para observar a riqueza e o nascimento dos versos.
Zizi sabia exatamente o tempo de levar outra cerveja até a mesa. Era mais um estágio entre o sumiço do homem do mundo real para a estadia do poeta no mundo surreal.
Zizi também fazia parte da poesia do lugar sem nem saber. Era o bar mais antigo da província, com mais de 50 anos de aprazível encantamento.
Depois de algumas horas, o fluxo de pessoas tornara o ambiente meio barulhento. Foi-se então o poeta pagar sua conta na promessa mais que antiga de voltar amanhã.
Zizi era perita em conhecer seus fregueses ali no bar. Sabia da volta tão certa quanto a presença de Deus em tudo.
Seus escritos iam em direção à posteridade sem a mínima pressa.
A aura do lugar esperava pacientemente por essa eternidade...

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