A esperança no palhaço


Heitor já andava estressado com tudo. Também pudera: com os exames do mês passado, descobriu que seu filho caçula estava com um tipo raro de câncer.
Na empresa, Heitor sempre foi simpático com todos. Tudo mudara com a doença do filho, inclusive sua relação com a esposa. Ela via o casamento ruir aos poucos. Projetava algo que pudesse mudar aquela silenciosa relação mas a forma “seca” de Heitor botava tudo a perder. Há muito ele sequer esboçava um sorriso.
Num dia, Heitor aguardava numa sala da empresa junto de outros colegas o presidente daquele império que convocara aquela reunião em carater emergencial. Na televisão passava o horário político, onde um candidato chamou a atenção de todos. Um “palhaço” pedia que votassem nele dizendo que “pior que estava, não ia ficar”.
“Este ainda está arriscado a ganhar”, disse um. “ e seus votos vão puxar aquele outro que estava envolvido no mensalão”. Diante daquilo, Heitor deu um sorriso irônico, dizendo que “se o palhaço fosse eleito, o circo estaria enfim armado”. Depois de tanto tempo, mesmo com ironia, Heitor sorrira, pensando nas milhares de pessoas que poderiam depositar naquele palhaço a esperança de um país melhor. “Esse país é mesmo uma grande piada, um palhaço deputado”. “Bom, mas se o Romário pode, o palhaço também pode. E o Romário também já fez a gente sorrir um dia”...
E todos continuaram rindo da situação.
A empresa passava por uma crise. Haveriam cortes no pessoal. O alto salário de Heitor o fez sucumbir diante da demissão. Ele saiu de lá arrasado. “Como poderia estar acontecendo tudo junto?”, pensava desolado.
No caminho de casa pensou em parar em um bar e encher a cara. Mas ele não fez isso. Com tudo desmoronando, só pensou em voltar pra casa e abraçar o filho, coisa que não fazia há muito tempo.
Em casa, viu sua esposa querendo disfarçar um choro assim que levara na cama a sopa do menino doente. Ele, parado ao pé da porta, pôs a admirar o menino lá sentado que via TV. Pálido, já sem os cabelos, e fraco que quase não dava pra levar a colher de sopa à boca.
Heitor se emocionou mas espantado, engoliu aquele choro quando viu o silêncio ser cortado pela enorme gargalhada do filho que quase perdeu o fôlego de tanto rir.
Entrando no quanto do moleque quis saber curioso o que alegrara tanto o filho daquela forma.
Com o dedinho indicador ele mostrou na tela da TV aquele “palhaço candidato” fazendo graça.
Heitor entendeu então que poderia até perder o sono, mas não o sonho, e que ainda havia esperança num sorriso.
Sorriso vindo de dentro, alheio e sincero, nem que fosse por causa de um palhaço fazendo graça com coisa séria na TV...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O chifre

Os 90 anos do Cemitério Santa Rita em Aparecida

Americanização