Pode escolher Senhor!


Lembro muito bem, em meados de 1987, quando meu pai me acordou cedo num dia de sábado e me ordenou: "hoje você começa a trabalhar na loja do Antônio Barreto!" Era o meu primeiro emprego na vida, embora nas minhas reminiscências, há uma passagem em que eu, com meus 10 anos de idade, me vejo trabalhando na casa de uma vizinha nossa fazendo imagens de gesso do Divino Espírito Santo, decorados com ”brocal”. Mas foi na loja do Toninho Barreto que eu aprendi a  negociata do mundo mercantilista d'Aparecida.


Antes do advento das coisas do Paraguai, nossa gente foi capaz de inventar e criar peças que dominaram o comércio. Como se esquecer de Dona Cida Murade e seu caderno anotando os pedidos das bailarinas de gesso que ela fabricava? As bailarinas de cores múltiplas eram bem aceitas entre crianças e adultos, o que fazia o Barreto fazer pedido toda semana. As capelas de vidro e madeira do Seu Alfredo. Mercadoria clássica, que dava um efeito maravilhoso nas prateleiras. Luzes vermelhas iluminando o breu da loja quando a gente abria de madrugada. ~
A eterna fitinha colorida. Mercadoria que ultrapassa gerações onde seus vendedores, mal encarados muitas vezes, dizem que a tal fitinha é "benzida" pelo Padre Vítor, mesmo depois de muito tempo da sua morte.

Campeão de vendas foi o Galinho do Tempo, que talvez tenha sido o precursor das coisas "modernas" do comércio de Aparecida. Em dias de sol, ficava azul. Em dias chuvosos, rosa. E o povo comprava achando que o galo poderia dar a previsão do tempo. Vendia mais que frango assado! 
Já as cúpulas de vidro, que tinham água dentro, não vingaram. Eram até bonitas, mas quebravam fácil demais, molhando tudo em volta; O óleo e o "barso" bento, unguentos que curavam qualquer mal; Os imãs de painel de carro que diziam “não corra papai”. Dizem as más línguas que o Barrichello ganhou um desses do filho dele. 




As peças redondas com estampas de santos criadas pelo Seu Célio, que eram cheias de requinte e fizeram parte do cenário da novela Roque Santeiro, em 1985; As bonecas dorminhocas que o Seu Gentil e a Dona Dina fabricavam. Era venda certa! 
Os garrafões de plástico fabricados pelo Zé Badú. Coloridos e de vários tamanhos; Os cachorrinhos de pelúcia do Bem-te-vi; As noivas que a mãe do Maurilhão, Dona Maria José fazia. Bonecas bem trabalhadas, feitas com bom gosto; As velas de metro para o romeiro cumprir sua promessa; Os chapéus vendidos pelo Seu Homero que o Barreto fazia a gente escovar um por um, toda semana. As pequenas televisões que, clicando em baixo, num botão, ia passando no visor várias fotos da cidade.

Domingo de movimento era dia de comer marmita que minha mãe me mandava. O Barreto patrocinava a Tubaína. 
O entra e sai danado dos romeiros logo cedo com o dia ainda escuro. As visitas esporádicas da Dona Angélica Barreto, um verdadeiro acontecimento. O pastel do Jurandir;
As andorinhas voltaram... E eu também voltei"... Música que tocava o dia todo na loja do João Anastácio. Deu até pra decorar a letra. 
As ciganas querendo ler as linhas das mãos. As mesmas ciganas que o Prefeito Cláudio Amador detestava e todo domingo vinha as espantar tascando-lhes o seu capacete; Cabeção e seu carrinho de sorvetes; Mara, a Mulher Cobra, "diretamente da Amazônia"; O grilo inocente feito na surdina; O susto que os romeiros levavam com a Mulher Gorila. Bolas, carrinhos, cinzeiros, chaveiros, imagens da Santa. Terços feitos de semente de "lágrimas de Nossa Senhora". "Estive em Aparecida e lembrei-me de você". Quantas lembranças!
"Maurinho... pára de olhar as romeirinhas... Atende o freguês!"
"Pois não, pode escolher senhor!"
"Tô só oiâno minino, tô só oiâno"...

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