Aos olhos do Santo preto. (Republicando)
Ninguém tinha ouvidos para escutar seu discurso. Mas algo, assim como magia, aconteceu. Sentiu de repente um teor magnífico no ar. Era como se o Santo Negro lhe sorrisse...
Luzes-cores, em meio a sons, regiam o momento. Flashes nos mais variados sentidos se confundiam com palmas. Lágrimas distintas tornaram-se brilhos. Cintilantes sentimentos guardados na profundidade peito e na arquitetura da alma.
Profanos entusiasmos em silêncio postaram-se. Mas ele sabia que o seu dia, fruto de uma noite impossível, ia estragar o dia de muitos. Era sempre assim.
Caminhou lentamente e pareceu um pouco mais absoluto em face de tanta riqueza alheia depositada no lixo. Isso restaurava alguma coisa nele. Afastava a fome e fazia entender que nem todos se calam por vontade própria. As palavras é que às vezes precisam brigar por um espaço com o silêncio que é imposto e perde a luta muitas vezes.
Seu nome e sua cara estavam expostos. Somente o que exigiram dele coordenava a impressão que seu nome ainda trazia. Nome igual ao do Santo Negro.
A voz cansada de uma miséria que não era sua se misturava com o ranger de portas que rapidamente se trancavam e libertavam apenas um “não” profundo.
Atravessou a rua perdido. Subiu solenemente os degraus da velha igreja. Eram as únicas portas abertas...
Ali dentro, ninguém percebia a sua história que aos poucos também ia se desprendendo dele. Só sentiam seu cheiro sem culpa.
Absorveu os nutrientes daquele sonho impossível e desesperadamente chegou a lamber o prato sujo daquela realidade. Era uma oração.
Sentou-se ao chão, pois não suportava mais o peso da sua própria cabeça.
Há alguns dias atrás, uma criança inocente lhe jogara uma moeda que quase caiu num bueiro. Isto fez dessa moeda a mais valiosa de todas.
Com extrema humildade, curvando-se, depositou a mesma moeda no cofre ao lado do altar. Com os olhos, voltados para o Santo Negro, seu silêncio então reza:
“Vim te abraçar meu Santo para que abra meu coração num entendimento puro onde eu possa sobreviver diante das desigualdades. Que o instante não se acabe, meu Santo, e muito menos o sonho. Cubra de amor o coração das pessoas e de fé meu espírito meu Santo Preto. Olhai por mim em meus caminhos, amém”...
Os dois pareceram reluzir por si só. Um diálogo desafiando uma distância improvável, mas santificada.
Ao redor, tudo parecia transcendente: O ritmo que desembocava no espaço sólidos ecos, a lembrança resgatada no silêncio do momento, a explosão de pequenos instantes, anjos zelando pelo lugar, cores infinitas, sons que se propagavam nos corações arremetidos ao disparo de emoções...
A noite foi rastejando pelo tempo. Estrelas vieram silenciosas, imponentes pela simples importância de iluminar. A lua surgiu radiante na leveza eterna de encantar.
O Santo, em procissão, foi buscar Santa Rita, como se traduzindo a alegria daquele que acolhe ou despertando em nós uma nova atitude de busca em todos os sentidos da vida.
O homem, tomou seu destino sem saber pra onde. Mas caminhava com a promessa de um dia voltar e agradecer ao Santo Negro pela graça da realização do sonho que há muito lhe guiava...
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