Heróis
Ouviu alguém
batendo palmas no portão do barraco.
A patroa,
com a cara amarrada, veio avisar:
-Estes seus amigos vou te contar... estão lá
te chamando pra jogar bola...
Ele nem
pestanejou. Calçou seu tênis velho, suas meias furadas e foi bater uma bolinha
no campinho do bairro. Em meio a tantas mazelas, isso acabava sendo pra ele uma válvula de
escape. Razão pela qual a patroa não implicava tanto.
Antes de
sair, seu filho caçula veio lhe abraçar junto com um pedido;
-Papai, faz um gol pra mim hoje?
-Claro meu filho. Hoje eu fazer um golaço
pra você viu...
E saiu preso
naquela promessa.
Ele tinha
sido despedido do emprego. Trabalhava de empacotador num mercadinho ali perto. Era
um mísero salário, mas fazia muita falta. E pra piorar, o dinheiro da sua rescisão
de trabalho tinha acabado. Mal deu pra pagar algumas contas. Seu nome ainda
habitava os arquivos do SPC. Seu nome já tanto tempo em desuso.
A patroa
ainda ganhava algum dinheiro lavando roupas da vizinhança. Nada muito sério que
podia ter alguma relevância neste sistema mundano e capitalista.
Mas ele se
virava. O leite, o arroz e o feijão era algumas das outras promessas feitas ao
filho. Vez ou outra falhava no cumprimento de alguma.
No campinho,
seu desempenho foi um desastre. Além de ter acabado de estourar o velho tênis,
sofreu com uma canelada mais dura. Pediu pra sair mais cedo impulsionado por um
pênalti perdido e um gol contra feito. Pensou em fazer uma loucura qualquer pra
conseguir algum trocado. Mas não teve coragem suficiente. Notou que até isso
lhe faltava.
Chegou em
casa sorrateiro. A patroa amamentava a filha menor no peito, cochilando um
sonho de vida melhor. Torceu como nunca pro filho estar dormindo pra esquecer o
gol prometido que não saiu. Mas o moleque o pegou pela bermuda.
-Papai... e o meu gol, você fez?
-Claro filhão. O Zé Curisco fez uma bela
jogada pela ponta e cruzou certeiro pra área. Eu estava de costas pro gol. Fechei
os olhos e disparei a bicicleta! Foi no ângulo! Um golaço filhão....
Sabia que
isso embalaria o sono do menino numa suprema felicidade.
O moleque
enfim dormiu entre uma lorota e outra.
Ele esboçou um alívio, afagando a moleira da
criança. Pelo menos ali, naquela realidade e trancado naquele sonho, ele ainda
era um herói...