Coisas que não se perdem.
Ela veio pequenina, parte de uma familia de muitos irmãos. Corria o ano de 1937 nos campos da cidade de Lagoinha.
Desde muito cedo soube o que era responsabilidade. Tinha de cuidar dos irmãos mais novos enquanto sua mãe labutava na lavoura. Não teve tempo de aprender a ler nem a escrever.
Pelos ensinamentos de seu pai aprendeu que Nossa Senhora protegia, mas não conhecia quem Ela era. Levada por ele, certo dia conheceu a Santa na igraja da cidade. Inventou suas orações na esperança de dias melhores sem desvalorizar a vida. Encantou-se com a imagem que também se chamava Maria. Era o encontro da inocência com a divindade.
De tanto encanto sua mãe teve que fazer um pequeno “Agnus Dei” e colocar em seu pescoço preso por um barbante dizendo que a partir daquele dia Nossa Senhora ia proteger a pequena sempre.
Já morando por estas bandas da terra Aparecida, um dos seus afazeres do dia a dia era quarar e lavar roupas na beira do Ribeirão da Chácara que passava por perto de sua casa. Ali, ela substituía a realidade pelos seus sonhos de menina, transformando a vida numa simples brincadeira.
Uma vez, distraída com as roupas e com os irmão menores, deixou cair na água seu “Agnus Dei”. Isso porque o barbante, depois de tanto tempo, arrebentou-se do pescoço. Logo, a correnteza do ribeirão fez com que seu amuleto protetor desaparecesse. Houve choro. Pediu a Nossa Senhora para que aquietasse seu pequeno coração que se desmantelou com a perda. Em silêncio, continuou fazendo sua obrigação...
Voltou pra casa sem palavras e por isso chamou a atenção. Mas, mesmo com o coraçãozinho apertado, não reclamou. Continuou firme sua luta com aquele acaso onde não queria acreditar no que havia acontecido.
Abraçou suas orações habituais sem demonstrar desespero. Rezou confiante diante do alimento e logo depois foi dormir. Numa outra oração, pediu proteção a todos e um sono tranquilo. Mas foi difícil o sono chegar. Não conseguia esquecer sua medalhinha que carregava junto ao peito e que protegia sempre nos caminhos sombrios da volta pra casa.
Cochilou um pouco. Acordou de repente e num giro sobre a cama, trocou de lado o travesseiro pra tentar dormir de vez. Mesmo com a pouca luz da lamparina ela conseguiu enxergar aqulio que seus olhos não conseguiam acreditar. Num misterioso milagre lá estava a medalhinha “alumiando” o tecer de sua nova esperança bem embaixo do travesseiro feito de trapos. O Agnus Dei ganho de presente num dia distante da infância e que até hoje segue junto nos caminhos da menina que se tornou mãe, avó, bisavó. Caminhos percorridos sem temer os desencontros casuais desta longa vida...
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