Triste olhar


Um romeiro que estava a passeio em Aparecida com a esposa tinha acertado a milhar na loteria numa extração que pagou ao sortudo alguns milhões de Cruzeiros.
Na felicidade de estar tomando umas “biritas” no antigo Bar do Léga, o romeiro acabou deixando escapar que a sorte lhe foi generosa.
No marasmo de pouco movimento durante os dias de semana, em questão de minutos, a “boa nova” se espalhou pelo largo da capela e logo uma meia dúzia de moleques engraxates estavam cercando o sortudo pela praça a fim de dar um lustre no “Passo Doble” do freguês. Arrastavam-se atrás dele feito pintinhos atrás da galinha.
Os dias foram passando e o camarada foi ficando incomodado com a situação de ter que pagar pelo brilho no seu sapato toda vez que saía do Hotel Queiróz, onde estava hospedado. Era apontar o nariz para praça e lá vinham os engraxates lhe abordar. Isso se arrastou pela semana toda em que esteve pela cidade.
No último dia da sua estadia em Aparecida ele sentiu certo alívio ao notar que os moleques o olhavam de longe, esgueirando-se entre as árvores e os bancos da praça. Até mesmo alguns guardinhas mirins, despojados de suas fardas, estavam por lá tentando angariar alguns tostões do abonado.
Após passar mais uma vez aos pés da Santa Aparecida, o casal lembrou que não tinha tirado nenhum retrato em frente à Basílica Velha para levar como recordação.
A briga dos retratistas pelo abonado freguês foi intensa dentro daquela velha e sadia disputa.
A esposa estava sorridente pela estadia na Terra da Padroeira. O romeiro sortudo fazia pose para o fotógrafo vestido com um terno de linho branco de corte impecável. Teve o cuidado apenas de recomendar ao retratista que a fotografia “pegasse” apenas meio corpo.
Com a extrema habilidade do retratista, estavam enfim eternizados n'Aparecida do Norte acompanhado pelo triste olhar dos engraxates que naquela manhã foram traídos por um surrado par de chinelas... 

Crônica dedicada ao meu grande amigo Caetano

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