Pernas pra que te quero!

Eu tinha acabado de assumir meu plantão no posto de recepcionista do Pronto Socorro da Santa Casa de Aparecida.
Eram quase oito e meia da noite quando uma irmã religiosa que também trabalhava por lá solicitou pelo ramal minha presença no centro cirúrgico.
Lá chegando, me deparei com uma caixa de papelão num canto do setor e a ordem da freira:
-Por favor, preciso que você leve esta caixa para o necrotério pra mim...
Já há algum tempo trabalhando na Santa Casa, tinha ouvido inúmeras histórias sobre o lugar que sempre aguçava a minha imaginação, fazendo com que sombras esculpissem vultos instigantes no famoso necrotério.
Eu desconhecia o conteúdo da caixa até o instante em que, já no corredor das alas, a freira detonou a informação que preferiria não saber:
-Cuidado com esta caixa e com a perna amputada que está aí dentro viu...
Aquilo em meus ouvidos soou como uma bomba. Não sabia se o dono daquela perna tinha morrido ou não. Se estava esperando por ela ou não. Só sei que a caixa, até então leve, começou a pesar uma tonelada em meus braços.
O caminho até o necrotério pareceu se estender por quilômetros.
Lá chegando, até eu encontrar o interruptor da fraca lâmpada para iluminar aquela penumbra, já tinha se passado outra eternidade.
Coloquei a bendita caixa na mesa de mármore com uma rapidez impressionante e saí de lá em disparada antes que minha imaginação pudesse descortinar o som de algum passo vindo atrás de mim...

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