Vida longa ao Rei!

Falar alguma coisa sobre meu camarada Toninho Macedo é fácil.
A gente se falou pouco quando ele descobrira sua doença. Nessas poucas vezes, tentou me explicar os meandros daquilo que lhe acometia. Eu, por ordem prática, sempre burlava aquela seriedade. Era assim que se descortinava um belo sorriso.
Nossa amizade sempre foi ampla. Ele sempre dizia que os “diferenciados” se atraíam com facilidade. Modesto.
Falar sobre o maestro Toninho Macedo é remeter a memória para um tempo de glórias. Acordes absolutos em inúmeras fanfarras pelo Vale do Paraíba. O desafio maior era formar, além de músicos de ouvidos apurados, homens de bem. A empreita surtiu efeito de forma surpreendente.
Nesse enfoque de sua vida, ser instrutor da fanfarra da cidade do Potim há alguns anos trás talvez tivesse sido o auge dessa missão numa época de muita marginalização na cidade, com jovens perdidos e crianças se perdendo. E ele conseguiu contrapor aqueles destinos que iam fadar muitos ao descontrole social e familiar. Venceu aquela batalha com uma ampla vantagem. Mas o sonho foi desfeito pela politicagem local.
Lembrar do Toninho na época em que fora inspetor de alunos na Escola Murilo do Amaral faz a lembrança soar engraçada. Ele era um sarcástico. Vivíamos nós dois pregando peças mutuamente. E quando nos juntávamos, o restante é que sofria com as nossas peripécias.
O São paulino Toninho Macedo me perturbava... Nessa época mesmo, não sei como, em cada derrota do Corínthians, ele arranjava o CD do hino do clube que vencia. E colocava bem no horário de entrada para a aula. E quando seu time perdia, ele não corria como muitos que fogem. Postava-se impoluto e com maestria tecia milhões de argumentos para a derrota.
Com o político Antonio Macedo tive muitas discussões. Pendíamos sempre pelo socialismo, com algumas divergências. Éramos como “dois bicudos” que não se beijavam. Eu sustentava minhas ideologias e ele, ferrenhamente, as dele. Mas tínhamos um consenso: a participação coletiva para ajudar quem necessitasse. Ele, nesse quesito, tinha mais ímpeto, sem nunca olhar a quem. A nossa última discussão rendeu a ele a perca do meu voto, que no fim das contas ele desdenhou. Admirava-o por isso e pela sua maneira simples e direta de colocar suas opiniões. Autêntico.
O Conselheiro Tutelar Toninho Macedo foi unânime. Eleito com muitos votos, inclusive o meu, ele incorporou aquela sua nova missão com afinco. Combateu a pedofilia, os maus tratos e se tornou uma espécie de líder entre os outros companheiros. Não media esforços para defender crianças e jovens.
Certa vez, já com meu registro de jornalista como profissão regulamentada, fui convidado por ele para ser responsável por um informativo do conselho tutelar que ele queria fazer e distribuir na cidade. Contar relatos, trabalhos realizados, efeitos e causas. Chegamos a conversar algumas vezes sobre o assunto que infelizmente não saiu do papel.
Lembrar o músico Toninho Macedo em épocas de carnaval é reviver a alegria. Ele, com nobre autoridade, enfrentava qualquer roda de samba empunhando os tambores e tremes terra da vida, cadenciando com habilidade ímpar o ritmo da folia. Folião.
O Toninho Rei da Festa de São Benedito não me surpreendeu. Eu, por força poética, previ seu reinado. Ele já vinha há muito tempo fazendo parte das comissões da festa e tinha uma linhagem real. Ele comprovaria minha “previsão” quando em 2007, ancorado numa lata de cerveja numa barraca postada na praça eu sentenciei: “você vai ser o próximo Rei!” Ele riu copiosamente daquele Nostradamus bêbado.
Passado os dias, eu na praça novamente, sem saber ainda da sua escolha, o vi de longe sendo cercado e abraçado pelas pessoas. Aproximei-me como um súdito fiel e sorrateiro. Ele me enxergou e me fitou com uma cara fechada. Desvencilhou-se da multidão que o cercava e veio em minha direção. Já próximo, em silêncio, me abraçou forte e perguntou ao pé do ouvido: “Como você sabia?”. Respondi ao mesmo tom: “Eu sempre soube”...
E já pedi que me patrocinasse uma lata de Skol aos risos. Uma história que culminou com uma crônica em sua homenagem publicada no Jornal Tranca e Gamela em abril de 2007 intitulada “O Rei que eu conhecia”. Um recorte que ele guardou para sempre.
Num domingo, revi sua energia e sua esperança. Explicou-me novamente tudo o se passava e o que estaria por vir. Em pouco mais de meia hora de conversa, olhamos nos olhos um do outro como nunca havia sido. Ele estava feliz. E eu, cúmplice, desferia-lhe palavras de afeto, sem nunca perder a chance de dar uma “sacaneada” no seu time do coração.
E quando ele sentiu que entraríamos numa dileta discussão política, ele me interrompeu: “você nunca votou em mim seu sacana”. Acho que minha saudade dele começou ali...
Os meses se passaram. O encontro junto do filho Marquinho descendo a praça, bem em frente à igreja do Santo Preto. Era noite de 31 de dezembro:
Que honra te encontrar no último dia do ano meu Rei”...
É sorte”, respondeu-me numa piscadela. Abraçamos-nos...
Da última vez que o vi, na Festa de Santa Rita deste ano, não nos falamos. Ele, como sempre rodeado de súditos, apenas me acenou como quem dizia: “Preciso falar com você”...
Também tinha algo importante a lhe falar: que eu seria papai!
Depois de saber do seu desterro, perdido nas lembranças, me emocionei em silêncio achando que essa notícia ia o alegrar. Infelizmente não houve tempo.
Com honras meu Rei, lhe saúdo.
Reverencio-me postado de saudade.
Que sua luminescência de agora flua com toda intensidade entre nós...


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