Os 90 anos do Cemitério Santa Rita em Aparecida


Devido às condições topográficas de Aparecida, a cidade foi garganta de passagem obrigatória e uma verdadeira encruzilhada da cultura indígena. Um lugar muito apropriado para trânsito e fixação de várias tribos.
Na década de 60, quando das escavações para se erguer a estação rodoviária de Aparecida, foram encontrados ali objetos arqueológicos de suma importância para o conhecimento das culturas indígenas que povoaram o Vale do Paraíba, dentre os quais crânios e urnas funerárias, levantando a tese de que o local foi uma espécie de cemitério há algumas centenas de anos atrás. Pelo que foi encontrado, uma certeza se tem: aqui também era solo sagrado para os indígenas, pois nele estavam seus antepassados enterrados.

A palavra "cemitério", do latim tardio coemeterium, derivado do grego kimitírion, a partir do verbo kimáo, "pôr a jazer" ou "fazer deitar", foi dada pelos primeiros cristãos aos terrenos destinados à sepultura de seus mortos. Na Europa o sepultamento de corpos remonta a história há 100 mil anos antes da nossa era. Os primeiros testemunhos arqueológicos da pratica funerária situam-se no Paleolítico (35.000 a 10.000 a.C.), período conhecido como “pedra lascada”. Como o homem era nômade, os mortos foram então os primeiros a terem uma morada permanente. A partir dos 10 mil anos a.C., período entre o paleolítico e o Neolítico, começaram a aparecer os primeiros cemitérios com sepulturas agrupadas decorrente do fato de o homem passar do estado nômade ao sedentário.
Na Antiguidade os ritos fúnebres seguiam hábitos e costumes de cada povo e lugar. Surge então a cremação, prática cada vez mais frequente que permitiu dar destino aos corpos de maneira mais compatível com as normas sanitárias.
Já a arte de embalsamar foi desenvolvida por civilizações antigas destacando a egípcia, que tinha o hábito de venerar seus mortos.


Alguns cemitérios pela Europa são considerados pontos turísticos pelo valor histórico de suas obras arquitetônicas e esculturais. No Brasil, porém, não existe uma apreciação desta forma limitando as visitas ao dia de finados ou em ocasiões esporádicas.
A prática de enterrar os mortos nos pátios das igrejas, que também eram palco de festas populares, era uma evidência de que vivos e mortos coexistiam no mesmo espaço. Essa prática foi implantada no Brasil pelos portugueses. Os mais importantes ficavam nos arcos próximos ao altar, nas laterais, no chão ou nas paredes, próximos aos degraus da entrada e do altar.
A proibição desses sepultamentos por medida sanitária devido aos “eflúvios mefíticos” produzidos pela decomposição de cadáveres foi um indício de que começava a soar incômoda a proximidade entre mortos e vivos. O crescimento das cidades é também uma importante razão para a criação dos cemitérios coletivos. Esse crescimento já não permitia mais o sepultamento em capelas e igrejas. Além disso, os sepulcros tornavam altamente insalubres as proximidades dos templos.
Em Guaratinguetá os óbitos e o sepultamento eram registrados em livros próprios da igreja, que assinalavam estes locais. Infelizmente não designava o nome e a data de falecimento. Em raros casos, eram identificados padres que serviram naquela paróquia.

Geralmente enterrava-se o branco, muito embora tenhamos registros de negros e mulatos sepultados em seu interior que, com certeza, eram escravos alforriados ou escravos de grande estima por parte de seus senhores. Muitos escravos foram sepultados na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, que existia onde atualmente encontra-se a Padaria Nossa Senhora do Rosário, na esquina da Praça Conselheiro Rodrigues Alves com a Rua Monsenhor Filippo. Somente após 1850 é que surgiram os cemitérios públicos, como o caso do Cemitério do Senhor dos Passos, que ainda possui um tumulo datado de 1858, e o Cemitério do Alto das Almas, do mesmo período e que desapareceu.
Em agosto de 1999 era inaugurado o Cemitério Parque das Oliveiras, na estrada das “Pedrinhas”.
A primeira “Capella d’Aparecida” é datada de 1745. No início de sua história, os benfeitores da “Capella” eram enterrados no piso da igreja. Os outros moradores eram enterrados no “Largo da Capella”.

Mas em 1828, o Imperador Dom Pedro I promulgou uma lei recomendando que as Câmaras Municipais elaborassem posturas cabíveis ao estabelecimento de cemitérios fora do recinto dos templos. Em atas do ano de 1843 o vereador Padre Israel Pereira dos Santos Castro sugere a “creação de um cemitério na freguesia de Apparecida”. A Prefeitura de Guaratinguetá compra então neste mesmo ano um terreno localizado atrás da igreja velha, na antiga Rua Major Martiniano, atual Rua Ver. Oswaldo Elache. Local onde depois se ergueu o convento das Irmãs Carlistas.
Em 1852 o cemitério estava pronto e os sepultamentos deixaram de serem feitos na “Capella” ou em seu pátio. Estima-se que Aparecida tinha uma população de mais ou menos duas mil e quinhentas pessoas nesta época. Muito tempo depois ossadas foram encontradas na escavação para a construção do moderno e enorme edifício que hoje se encontra no local.
Em janeiro de 1893 uma representação da mesa administradora da Capela de Aparecida pede a remoção do cemitério daquela localidade para outro lugar.
Em gosto de 1890 há um pedido de construção de um cemitério público na Estação de Roseira. Em 1894 o Bairro de Roseira Velha passa a contar com um cemitério construído pelos Irmãos de São Benedito. Em novembro de 1896 é autorizado pelo Intendente de Guaratinguetá o funcionamento de um cemitério na Igreja do povoado de Bonfim. A existência do cemitério em Aparecida é confirmada pelas atas de orçamentos fixados em 1908.
Em 1913 a direção da Basílica Velha comunica que pretendia dar outra finalidade ao terreno onde se localizava o cemitério. Os interessados que tivessem parentes ali enterrados deveriam agilizar o transladar dos mesmos para o “cemitério novo”.

Em 1921 o cemitério “desceu” a Rua Major Martiniano e os mortos começaram a ser sepultados no Bairro de Santa Rita.
Em 1922 houve concessão de verbas para as obras de aumento do cemitério. No ano de 1925 é aprovado orçamento de verba para o zelador do Cemitério Santa Rita. Em 1929, o já emancipado município de Aparecida mostra no balancete da prefeitura o quadro de funcionários onde consta um zelador e um coveiro para serviços no cemitério.
Relatos redigidos por parentes do doador dizem que o local cedido para se estabelecer o novo cemitério pertencia a Simão Marcelino de Oliveira, conhecido como Simão Miné, detentor de terras que formavam o Bairro dos Machados, mais tarde, Bairro de Santa Rita.
Os limites do terreno do Cemitério Santa Rita são as Ruas Santa Rita, Rua 1º de Maio, antes Rua do Pinhão, Rua Floriano Peixoto e Travessa Pedro Guarcino, antes limites das terras do Sr. Joaquim Israel (Joaquim Raé), desapropriada para se traçar a Via Dutra na década de 50. Houve em determinada época quatro entradas para o cemitério em cada uma dessas ruas, sendo que, a entrada pela Rua do Pinhão, um pátio da prefeitura usado para guardar carroças coletoras de lixo, era especialmente para traslados de corpos na intenção de não chamar a atenção dos transeuntes e a entrada que beirava a Via Dutra para escoamento de entulhos de obras e entrada de materiais de alvenaria. Há ainda o registro de uma entrada onde se localiza atualmente o centro de Saúde da Mulher.

Moradores antigos da Rua Floriano Peixoto, sendo alguns já falecidos, deixaram registros de que havia uma torneira coletiva junto ao muro do cemitério onde muitos buscavam água. O local era de solo úmido, uma espécie de brejo, que mina até hoje nas imediações da Rua Floriano Peixoto. Escravos da antiga Rua do Pinhão já haviam construído muito antes um encanamento para usar a água do local.
Não há nos arquivos do Cemitério Santa Rita documentos ou livros que mostrem os primeiros registros de sepultamentos a partir de 1921.
O livro mais antigo de registros de óbitos encontrado data de 2 de janeiro de 1924, com termo de abertura assinado pelo Prefeito de Guaratinguetá Pedro Marcondes Leite.
No mesmo termo consta ainda a assinatura do Prefeito de Aparecida Américo Alves Pereira Filho com data de 1º de abril de 1929, quatro meses após a data de emancipação do município de aparecida instalado em 30 de março de 1929.

O primeiro nome da listagem é de um “anjo”, como eram denominadas as crianças falecidas, de nome Jayme Ferreira Souza, sepultado em 1º de janeiro de 1924.
Há ainda registrado no livro os sepultamentos feitos no cemitério do Bonfim na data entre 1929 a 1931, época onde o povoado foi assolado por moléstia. Neste período nota-se que a maioria dos óbitos era de crianças, sendo a primeira de nome “Thereza” sepultada em 1º de julho de 1929.
Em 1948 o Prefeito eleito Américo Alves teve como maior problema resolver o esgotamento do cemitério Santa Rita. A solução encontrada foi a construção de túmulos verticais. Os famosos “gavetões” que se mostraram insuficientes foram construídos nos fundos do cemitério.
Em 1952, uma das armas usadas pelo candidato Solon Pereira para se eleger foi acabar com os gavetões. Eleito, Solon Pereira, embalado pela paródia que dizia “O Solon é nosso amigo, acabou com o gavetão”, derrubou a obra de seu antecessor Américo Alves e o cemitério foi estendido até as margens da Via Dutra numa ampliação onde foi necessário desapropriar uma área de 1200 metros adentrando a chácara do Sr. Joaquim Israel.
Na década de 60 foi feita uma instalação elétrica em quase toda extensão das ruas centrais do Cemitério Santa Rita que iluminava também a enorme cruz de madeira nos limites do muro. Devido ao aquecimento causado por velas, molhadas também pela chuva, as lâmpadas estouravam facilmente, deixando a iluminação da cruz inviável.
Rege a lenda que o nome das ruas do Residencial Jardim Paraíba foi dado pelo então Prefeito Alfredo Bourabebi quando o mesmo andava pelas alamedas silenciosas do Cemitério Santa Rita, homenageando os ali sepultados. Os nomes dos saudosos aparecidenses eram anotados cuidadosamente em uma folha de papel por um secretário que acompanhava o prefeito.
Em 1984, por determinação do Prefeito Aristeu Vieira Vilela, o antigo muro de taipas foi derrubado para sanar a proliferação de escorpiões. Foi construído um novo muro de blocos de cimento mais alto, numa obra importante terminada já na administração do Prefeito Antonio Márcio de Siqueira, vice que assumiu a municipalidade depois do falecimento do Prefeito Aristeu.

Também no final da década de 80, por determinação da vigilância sanitária, o necrotério do local passou a não mais receber corpos para eventuais autópsias ou reconhecimentos, sendo transladados para o novo IML em Guaratinguetá.
O Prefeito Cláudio Amador em sua administração colocou galinhas dentro do cemitério para tentar acabar com a grande quantidade de escorpiões e baratas no local. A idéia hilária não vingou, pois as penosas acabaram sendo “surrupiadas” por terceiros. Também em sua administração foram trocadas toda a fiação e lâmpadas do local.
Depois de algumas violações e profanações, e não encontrando um vigia disposto a trabalhar durante a noite dentro do cemitério, em 2003 o Prefeito Zé Louquinho optou por colocar cães da raça Pit Bul para fazer a segurança do lugar. O fato virou manchete nacional e a prefeitura acabou recebendo inúmeros “currículos” e ligações de criadores proprietários de canis interessados em oferecer o serviço de seus cães para a municipalidade. Vale lembrar que o ex-prefeito Zé Louquinho casou-se em frente ao portão de entrada do Cemitério Santa Rita ao lado de 120 padrinhos e construiu um túmulo no Cemitério Pio XII com o símbolo do Corinthians, azulejado em preto e branco, as cores do seu time do coração.

A capela do Cemitério velho sagrada a São Miguel Arcanjo, que ostenta ainda em sua torre a imagem de Santa Rita, foi reformada em 2008, onde recebeu vitrais, pisos e telhado novos.
Os mais ilustres ali sepultados, além do primeiro Prefeito Américo Alves, são os Prefeitos Comendador Vicente de Paulo Penido, Aristeu Vieira Vilela, o Historiador José Luiz Pasin e o ex-ministro da República Deputado Roberto Cardoso Alves além de baluartes da municipalidade em todos os segmentos e políticos de grande importância local. Descansam ali famílias tradicionais, os primeiros Padres Redentorista, anônimos e emancipadores que ajudaram a escrever a história da cidade. Bem na entrada, à direita, num dos mais antigos túmulos dali, descansa desde outubro de 1923 o doador das terras sagradas, Simão Miné.
Estima-se que já foram sepultadas mais de 25 mil pessoas no local que não comporta mais jazigos novos, mostrando o crescimento populacional e a expansão das cidades, já que ao longo de 16 anos foram também sepultados em Aparecida moradores de Potim e Roseira, sobrecarregando os dois cemitérios que juntos possuem 4.300 túmulos. Essa falta de espaço levou a Prefeitura de Aparecida em 2006 a estudar um projeto de lei regulamentando o aluguel de jazigos particulares a terceiros. A prefeitura teria a função de regulamentar os termos contratuais do aluguel. Neste período, os mortos desprovidos de túmulos particulares acabaram sendo enterrados em Guaratinguetá.

No ano de 1956, o Prefeito José Geraldo Lemes Valladão determinou a instalação do novo cemitério Pio XII no final da Rua 1º de maio, em terras pertencentes à Igreja. O primeiro registro de um sepultamento data de 02 de dezembro de 1956 de uma criança filho de José Porfírio. Dois dias depois, em 4 de dezembro, é registrado o óbito de José dos Santos, um jovem de 22 anos.
O local vem há alguns anos com seu limite máximo em sepultamentos além de péssimas instalações e com seus muros caindo. Situação que já se arrasta por várias administrações mostrando os descasos das partes competentes. No ano de 2009, numa obra para maquiar este descaso, foram arrumadas algumas ruas e construído um ossuário vertical onde se encontravam covas rasas. A capela do Cemitério Pio XII abriga ainda em seu subsolo um local com várias gavetas destinadas ao descanso eterno dos membros da Irmandade do Santíssimo Redentor e aproximadamente 3 mil sepulturas.

Em 2006 já é realidade a implantação de um cemitério na Cidade de Potim sendo sua primeira área doada pela Congregação Redentorista, num terreno de 20 mil metros quadrados no bairro de Vista Alegre, onde serão construídos 4 mil túmulos. O projeto é constituído de uma capela ecumênica e velório. Quebrando alguns paradigmas, o cemitério de Potim poderá ser um “cemitério parque”. Como disse o início deste texto, talvez mortos e vivos passem a coexistirem outra vez no mesmo espaço. O projeto, depois de algum tempo emperrado, ganha manchete em 2011 com a devolução dos recursos por parte do governo prevendo que a obra seja entregue em maio de 2012.

Em 2011 foi realizado um recadastramento entre possíveis donos de jazigos dos dois cemitérios de Aparecida para viabilizar a reforma dos túmulos abandonados e ceder a outras pessoas.
Os cemitérios fazem parte do roteiro histórico de visitação em diversas regiões turísticas do mundo nos quais são identificados elementos que demonstram a história social e artística das regiões, através de suas estátuas, das obras arquitetônicas, dos epitáfios e dos símbolos encontrados e analisados nos túmulos, valorizando e exaltando a preservação desse patrimônio público, que ficaram conhecidos como “museus ao céu aberto”. Eles podem nos dar valiosas informações, como sugere alguns pesquisadores famosos, como sendo fontes de história, para preservação da memória familiar e coletiva, de estudo das crenças religiosas, de expressão do gosto artístico e da ideologia política, de preservação do patrimônio histórico, para conhecer a formação étnica, o estudo da genealogia e revelação da perspectiva de vida .
A despretensão e o improviso deste levantamento não condizem com a magnitude do assunto. Este simples resgate também não traduz em profundidade tudo que os cemitérios, em particular o de Santa Rita, representam.
Os estudos deste espaço sagrado são mais que uma evidência de que os cemitérios podem um dia deixar de transmitir apenas tristezas e se transformar num local para a purificação em todos os sentidos da vida, trazendo uma complexa e abstrata simbologia através de sepulturas e mausoléus. Mensagens que fazem alusão a conceitos religiosos de um tempo e que fornecem informações sobre as pessoas idas, suas origens e nível social. Funcionam como uma rica fonte de pesquisa sociológica e cultural, pois através da observação de estátuas e lápides podem-se conhecer as características de uma época. Trata-se de um recado congelado no tempo. Uma tentativa atemporal de diálogo com vivos.



Este texto teve a colaboração de Luiz Afonso de Freitas, Donizete de Carvalho (Prica) e Ronaldo Carlos Gonçalves, zelador do Cemitério Pio XII em Aparecida, além de informações colhidas nos três volumes do livro “Nossas Origens” do Profº Benedicto Lourenço Barbosa

Comentários

Unknown disse…
Excelente texto, meu caro amigo de infância, "Maurinho". É muito edificante a a viagem às nossas origens, para compreendermos melhor o nosso papel no mundo, bem como para aguçar a nossa percepção de que somos agentes da história. Você já é, sem dúvida, um cidadão aparecidense que marcou seu lugar na história da cidade de Aparecida. Parabéns!

Sérgio Candido (Serginho).

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