Quebranto
O passarinho, coitado, esteve exposto aos olhares
dos transeuntes do portão pra fora. Amanheceu cego de um olho.
Ficou ali, encorujado no silêncio de uma manhã meio
que ensolarada.
Ela não notou nada.
De pé desde as seis da matina, foi pentear o
cabelo, passar café. Abrir a casa pro dia entrar.
A gaiola no prego da parede caiada. Não notou nada.
A vassoura que serve de apoio varreu o pó do chão
antigo. Um vai-e-vem da eterna saudade dos que não vieram mais.
Outras aves já imprimiam a liberdade pelo céu:
pardais, sanhaços, bem-te-vis...
De repente... Ela desconfiou de um silêncio que
vinha da gaiola.
Foi trocar a água, assoprar o alpiste...
Estendendo a habilidade humana, as ferramentas
tiniam os acordes do trabalho. Uns chegavam ao sono do dia, outros saíam ao
destino da luta capital.
Saí meio apressado. Entrei, peguei duas bananas no
cesto da copa. Troquei uma conversa com ela:
-Coitado do
meu canarinho... Acordou cego de um zóio... Num tá nem cantâno...
Eu tentei ver se era verdade. Mesmo porque, o
canário, coitado, esvoaçava pra lá e pra cá na gaiola. Pareceu afoito mesmo.
Ela foi e voltou bem devagar. Veio com um chumaço
de linha vermelha nas mãos. Amassou, amassou, girou a linha entre si, deu um
pequeno mas resistente nó.
-Pena que num
tem mais a loja do Arnaldo lá em baixo... Lá tinha fita vermêia...
Corri em
busca do meu dia.
Foi bem de
tardezinha que a encontrei impoluta sentada no portão. Estava mais alegre:
-E o canário mãe?
-Ah...cê cridita que ele melhorô...Tá
espertinho, tá cantâno... Bem que ocê falô... Tava fartâno a fita vermêia...