O amor no caminho das trevas
Perambulava
pelo centro da cidade recolhendo bitas de cigarros e revirando as latas de
lixo.
Sempre que
passava em frente a uma casa de decorações, entrava devagar e disparava sempre
a mesma pergunta ao vendedor:
-O senhor por acaso tem lanterna?.
Era notório
de que ele não podia comprar uma. Ele perguntava por aquelas lanternas antigas,
daquelas que tinham um lugar especifico dentro para se colocar uma vela. Uma
espécie de candeeiro.
A resposta
dada pelo vendedor era sempre a mesma:
Um não
categórico, o qual ele ouvia em silêncio e se retirava sem mais delongas. Era
quase todo dia assim.
Deu-se um
motivo que foi capaz de fazer aquele vendedor virar gerente da loja de decorações.
Em seu lugar foi contratada uma moça que logo no seu primeiro dia foi abordada
pelo “louco” lhe desferindo a antiga pergunta:
-A senhora por acaso vende lanterna?
Tal qual a
inocência da jovem vendedora, a resposta veio naturalmente na forma de outra
pergunta:
-Mas que tipo de lanterna o senhor gostaria?
Ele ficou
surpreso com o interesse da moça e o dialogo prosseguiu:
-Daquelas antigas. Aquelas que a gente
coloca uma vela dentro sabe?
-Ah... temos sim. Um instante e eu vou
buscá-la para o senhor...
Alguns segundos depois vem a vendedora:
-Pronto! Aqui está.
-Nossa... é essa mesmo que eu queria. Quanto
custa?
-Essa está saindo pelo preço de 85 Reais.
-Ah certo. Você poderia guardá-la pra mim?
Amanhã eu venho buscar. É que vou fazer uma viagem muito longa e me disseram que eu preciso dessa lanterna.
-Sem problemas. Eu reservo essa para o
senhor...
De longe, o
antigo vendedor apenas ria da moça que não entendeu muito bem onde estava a
graça.
No outro
dia, o movimento na loja não deixou que ela se lembrasse do maluco comprador da
lanterna.
Ao sair para
almoçar no centro da cidade, viu certo tumulto de pessoas que pareciam rodear o
corpo de alguém estendido no calçadão.
Com certa
curiosidade, ela soube pelos transeuntes que um maluco havia se jogado do
terraço de um prédio.
Enorme foi
sua surpresa quando ela percebeu que o corpo ali sem vida no chão era daquele
homem que na manhã anterior havia lhe perguntado sobre a lanterna antiga. Ela
gelou.
Um guarda
municipal que tentava contatar a emergência acabou arrancando das mãos do morto
um bilhete. Mesmo em choque, a jovem vendedora ainda conseguiu indagar o guarda
sobre o que estava escrito no papel todo amassado. Quem sabe um telefone. Um
nome de parente.
Alguns
garranchos trêmulos no papel sentenciavam:
“Meu amor, já passei tanto tempo sem você
nessa escuridão. E mesmo sem poder comprar uma lanterna pra “alumiar” esse
caminho, estou indo te buscar. Hoje, a qualquer custo, eu te encontro onde quer
que esteja “...
Ele entendia
que entrando pela mesma porta que ela, seria mais fácil a reencontrar.
Há algum
tempo atrás, sua amada interviu na mesma sina. Atirou-se louca da altura de
outro prédio e desde então ele ficou desorientado com a perda.
A jovem
vendedora por sua vez nem teve mais vontade de almoçar. Voltou perplexa para
seu trabalho.
O tempo
passou e cada vez que ela olhava a lanterna num canto da loja pedia que o amor
daquele maluco ao menos iluminasse as trevas daquele caminho sem volta por onde
ele se embrenhou em busca de sua amada...