Uma mulher de fibra.


Eu estava trabalhando em Guaratinguetá havia apenas dois meses.
Não conhecia direito as pessoas com quem iria me relacionar, já que, por ser um recepcionista, havia de ter a destreza de conhecer e entender o mais rápido possível os muitos personagens que iria encontrar.
Ela vinha sempre radiante.
Rosto encoberto pela forte maquiagem, cabelo espatifado, roupas que não condiziam com sua idade e de tecidos onde a estampa de “oncinha” predominava. Tinha a cútis queimada de sol, fruto da sua labuta que eu iria descobrir posteriormente qual era. Falava sem travas na língua e num tom mais alto que o normal. Um ser no mínimo exótico.
Da primeira vez que ela chegou até mim, veio perguntando se “o presidente” havia deixado o dinheiro dela comigo. Eu questionei a suposta divida pensando sarcasticamente como o nosso presidente tinha coragem.
Ela na verdade nem me deixou falar direito e me interrompendo disse:
“É que eu limpo o túmulo da família dele aqui no cemitério em frente”...
Depois é que outra funcionária, bem mais antiga no lugar que eu, foi contar a historia da mulher:
“Ela sempre vem ao cemitério limpar túmulos. É o ganha pão dela. O presidente daqui sempre dá uns R$15, 00 pra ajudar o orçamento da coitada”.
Depois de algum tempo no emprego, acabei me familiarizando com ela.
Foi numa manhã calorenta que eu a encontrei na padaria tomando seu café. Ela tinha, entre outras dividas, mais de mil reais espalhados por aí que os donos dos jazigos não pagavam. Também reclamava da ação dos fiscais da prefeitura, dizendo que eles não a deixavam trabalhar, querendo e inventando sempre tributos absurdos a serem pagos.
Aquilo me deixou curioso. A que ponto poderia chegar a fiscalização de uma cidade que não deixava escapar uma simples lavadora de túmulos da cobrança de impostos?
Puxando papo com ela, tentei expor minha revolta com a sua situação questionando o “porquê” destas cobranças abusivas com uma simples limpadora de túmulos. Ela, me interrompendo de novo pra não perder o costume esbravejou:
“Não meu filho. Não é aqui no cemitério não. É que à noite, quando chego do cemitério, eu vendo espetinhos de carne na garagem da minha casa. É lá que eles estão me enchendo o saco”...
Ela era uma batalhadora. Um exemplo de mulher. E eu havia acreditado nisso piamente tamanho o seu empenho e força de vontade mesmo diante das amarguras de seus ofícios.
Mas eu não quis experimentar, mesmo com sua insistência, o tal churrasquinho que ela trazia na marmita como almoço para aquele dia que prometia ser escaldante e que, um deles, já tinha virado recheio no pão do café da manhã no balcão da padaria...

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