Com a mesma moeda.
A capacidade humana de ser solidário é determinada muitas vezes pelo grau de necessidade de ajuda que precede uma ação deste tipo. Dentro disso, a capacidade de ser justo caminha lado a lado com a mesma capacidade de ensinar as pessoas a viver, e de uma forma solidária, não sofrer o peso de ser pago ás vezes na mesma moeda em certas ocasiões.
Isso pode acontecer com qualquer pessoa, sem nenhuma distinção ilusória ou falsa.
Minha mãe, grávida de um dos seus primeiros filhos lá na década de 60, se viu diante de uma situação difícil naquele distante cotidiano:
-Aprontando a marmita do meu pai que trabalhava na praça da igreja velha e tendo que lavar um monte de roupas que estavam empilhadas no tanque, viu um cano d’água se romper, molhando tudo em volta e atrasando seus afazeres daquela manhã.
Existem certas coisas que mulher não faz. Sem nenhum preconceito, independente de suas capacidades profissionais que crescem cada vez mais. Não faz e ainda mais grávida.
Ao seu modo simples, escreveu um bilhete que chegou junto com a marmita lá na praça contando o acontecido.
Meu pai, cheio de serviço no foto do Hotel Vitória, só teve tempo de comer “pelo nariz” e saiu procurando alguém pra resolver aquilo. Por muita coincidência, acabou encontrando um encanador conhecido que passava pela praça justamente naquele exato momento:
-Amigo, você caiu do céu! Estourou um cano de água lá em casa e atrasou todo o serviço da patroa que está uma fera. Tem como você ir até lá e arrumar esse cano pra mim? Domingo que vem te pago, vai ser domingo de movimento, não tem erro.
Com toda frieza e sem nenhuma cerimônia o encanador respondeu na lata:
-Olha seu Joaquim, não leva a mal não, mas serviço pequeno assim eu não estou fazendo mais. Só coisa de construção grande, empreitada boa. Sinto muito...
E seguiu de “papo furado” pela praça afora.
Meu pai que não era muito de conversa, apenas abaixou em silêncio a cabeça e foi continuar seu ofício. “O que não tem remédio remediado está”, pensou o retratista. E deixou pra resolver o problema quando fosse embora.
O cano só foi consertado bem de noitinha, quando o retratista chegou cansado da praça. Isso, acompanhado de uma boa bronca da patroa.
E o tempo, como sempre, foi passando...
Numa bela manhã, o fotógrafo estava sentado na porta do Hotel Vitória de conversa com outros retratistas, pois não havia quase nenhum serviço pra se fazer.
Ao passo de um instante, eis que chega aquele encanador correndo, com seu filho ao lado dizendo:
-Seu Joaquim, estou precisando de um “favorzão” seu. Esse meu filho aqui precisa se alistar no exército ainda hoje, é o último dia, e ele não tem nenhuma foto 3x4. Será que não dá pro senhor tirar pelo menos meia dúzia pra mim? Semana que vem e gente acerta porque eu estou duro. Estou sem serviço nenhum faz três semanas.
Pensando por alguns segundos, meu pai respondeu:
-Chiiii rapaz, não leva a mal não, mas serviço pequeno assim eu não estou fazendo mais.
Só estou abrindo um filme novo pra tirar foto de casamentos, batizados, festa de formatura... sinto muito...
E deu as costas pro sujeito.
Revirando sua “cachola” o encanador talvez tenha encontrado uma resposta para aquela atitude. Se ele mudou alguma coisa em seu jeito de agir ninguém sabe, pois ele acabou até virando a cara pro retratista depois.
Meu pai fez apenas a parte dele e pagou tudo com a mesma moeda.
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