Os mestres no limiar do tempo
O domingo nublado não trazia consigo ainda o friozinho típico do outono.
Os romeiros iam e vinham adentrando a igreja velha de Aparecida, coordenados por um guarda de azul na entrada do templo.
Em meio a tanta gente, de longe não foi difícil enxergar os dois fotógrafos conversando...
Aproximei-me como quem já o conhecia de longa data. O professor Nelson Chinalia estava entrevistando o antigo retratista Toninho Minaier parecendo estar em “transe” com as velhas estórias do retratista.
Nelson havia vindo de Campinas até Aparecida somente pra ver se “tirava” do velho fotógrafo informações que pudessem esclarecer o fato das velhas máquinas tripé lambe-lambe terem desaparecido.
Substituídas pela novidade da Polaroid, as máquinas lambe-lambe sucumbiram diante da falta de material usado para a elaboração das fotografias em preto e branco. Postais de 9x12 cm.
“Depois da Polaroid, passamos a usar essas máquinas do Paraguai de filme 35 mm. Daí pra máquina digital foi rápido. Eu mesmo vendi a minha velha tripé e com o dinheiro pude comprar um máquina digital”, completou o retratista Minaier.
Depois de algumas “chapas” batidas, sem mais delongas, fomos em busca de outro baluarte da Praça NS. Aparecida no que se diz respeito à fotografia, o Taubaté.
Encontramos o sorridente Taubaté “caçando” a clientela perto de um cavalinho de pelúcia.
De posse algumas fotografias tiradas em julho de 1980, o mestre Nelson abordou o retratista com certa autoridade perguntando:
“Taubaté, quer ver você há 32 anos atrás?”...
Num ensaio, o fotógrafo Nelson Chinalia havia fotografado o retratista Taubaté junto de outro companheiro fotografando com uma máquina tripé um romeiro que parecia literalmente “paralisado” diante do lambe-lambe.
Foram risos e despretensiosas poses a moldura daquele encontro histórico entre os profissionais da arte fotográfica. Tudo recheado de histórias rápidas e pitorescas que aguçaram a saudade.
De repente, outros dois retratistas se aproximaram da festa: Eram os outros dois irmãos do Taubaté, Orlando e Pedrinho, que deixaram a prosa ainda mais gostosa.
Senti o peso das fotos quando o professor Chinalia disse:
“Essas fotografias vão ficar com o Lúcio. Ele vai ser o guardião dessas relíquias e está incumbido de expô-las quando for preciso”. Uma responsabilidade enorme pra mim.
Os sinos da igreja velha anunciavam o meio do dia. Registrando tudo para elaborar seu trabalho, mestre Chinalia se despediu agradecendo a minha hospitalidade e a boa vontade de dispor de pouco mais de uma hora com ele e seu cunhado que também o acompanhava.
Eu enfiei a mão no bolso e lhe dei de presente parte de uma antiga lente objetiva “Anastigmat” dourada que pertenceu ao meu saudoso pai Joaquim Dias. Algo de valor histórico e sentimental de mais de 50 anos.
Os olhos azuis do mestre Nelson, por sobre seus óculos, ficaram meio enevoados com o presente.
Despedimo-nos ainda com a velha sensação de sermos velhos conhecidos e com a legítima promessa de perpetuar a memória desta arte e seus personagens no limiar do tempo...
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