Fugindo da realidade.
Quando o time da gente não anda bem das pernas falam de tudo e acontece de tudo. Mesmo assim, o corinthiano segue acreditando em dias melhores. Sofrendo o diabo em cada esquina, em cada emprego, em cada boteco da vida afora onde o porre fica amargo demais para gente voltar a sorrir.
Após uma dessas rotineiras derrotas, quando eu ainda trabalhava na Santa Casa de Aparecida, numa madrugada fria, eis que chega ao pronto socorro a ambulância do Potim trazendo um rapaz totalmente desacordado. A ingestão demasiada de álcool fez com que o cidadão desmaiasse e desse o maior trabalho para a enfermagem retirá-lo do carro. Encaminhado ao leito, o médico de plantão já prescreveu pela experiência a “milagrosa” glicose na veia do cidadão que seguiu dormindo sob observação.
Ás seis horas da manhã um membro da enfermagem pediu meu auxilio pra que puséssemos o “bebum” debaixo do chuveiro, pois, durante seu sono, havia o cidadão feito suas necessidades fisiológicas na cama onde estava. Sujou-se todo.
Antes de adentrar ao quarto já senti um cheiro forte. Mas narinas, já acostumadas com certos odores, não estranharam tanto.
O estado do indivíduo era deplorável. Coloquei luvas e, enquanto o outro ligava o chuveiro eu falava com o cidadão:
-Acorda cara. Já são seis da manhã. Sua família deve estar preocupada contigo...
Ele me entreolhava e tentava resmungar alguma coisa. Eu seguia falando:
-Levanta então pra tomar um banho e colocar roupas limpas pra você ir pra casa.
Nesse instante, num impulso ele me desferiu um palavrão dizendo:
-Não me enche o saco! Me deixa dormir seu filho da puta...
Haja paciência.
Por muito custo e de tanto eu ficar chamando ele se levantou. Ainda “cambetiando” me falou coisas sem nexo. Eu o segurava pelo braço pra evitar alguma queda.
No banheiro a situação piorou. O cidadão começou a "encrespar" e quem disse que alguém o fazia entrar em baixo do chuveiro?
Aí a minha ladainha recomeçava:
-Vai amigo, ajuda. Tira essa roupa suja e entra na água vai.
Já “fulo” da vida eu tive que gritar com ele:
-Vai irmão, colabora pô. Tira logo essa roupa suja “parmerênse”. Chega de graça...
Foi aí que ele ficou furioso e resmungando me respondeu:
-Palmeirense não seu filho da puta, olha só...
Num só golpe ele levantou sua blusa embebida em urina e mostrou a sua camisa que estava sob o agasalho com a inscrição “Gaviões da Fiel”.
Sua resistência começou a ruir quando eu lhe perguntei me fingindo bravo:
-E o nosso “curíntia” ontem hein amigo? Nosso time tava de brincadeira.
Ele menos intransigente concordava e parou de dar trabalho.
Hoje posso afirmar que cada porre representa muito mais que o esquecimento de alguma coisa que nos magoa. Caracteriza-se ás vezes numa brutal superação diante dessa cruel realidade alternada em tristezas e alegrias. Sóbrias filosofias que paulatinamente vão se transformando em bêbadas teorias que nos colocam inconscientes por instantes eternos. Mágica relutância diante de momentos ruins que superam a derrota. Milhões de motivos pra continuar acreditando e seguir tomando “de vez em sempre” outro porre pra tentar esquecer o bendito “Tolima” e a nossa eterna sina na Libertadores da América...
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